A transição não será sem sacrifício

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Definitivamente ser perfeccionista não se mostrou ser um bom negócio nos últimos anos, não que uma dose de perfeição não seja boa, mas do modo como esse mantra de ser, cada vez fazer mais, melhor e de preferência somente eu realizando tudo, do meu jeito, do meu gosto, acabou sim nos revelando uma outra face da vida real, ou seja, a de que o ser humano não controla o tempo e as suas peças que nos são pregadas constantemente; uns preferem fechar os olhos, fingir que nada aconteceu, passam para o outro lado da rua e continuam com as suas teimosias. No tempo normal, esse que deveríamos admitir e não aquele que queima fases, atropela etapas importantes, o nosso tempo de agora marcado pelo melhor e o pior, onde a existência se faz e refaz a todo instante deveria ser então o tempo certo para repensarmos tudo aquilo que nos fez chegar até aqui, com alegria e dor.

Jamais poderemos conhecer o tempo em sua plenitude, isso não pode nos deixar de cabeça baixa, ao contrário, é a certeza de que somos parte de um todo, é nesse tempo fantástico onde estão todas as oportunidades, as enormes diversidades humanas e extra-humanas; nos poluímos com ideias que acabaram nos tornando estranhos em nossa própria casa, gastamos energia demais em coisas que nos tornaram frágeis, fardo que agora mal conseguimos levar adiante, isso quando não largamos esse fardo nas costas dos mais vulneráveis. Até agora a vida e o tempo foram encarados por um único prisma, isto é, que tudo no ser humano assim como na natureza precisa ser mudado; quando relemos a história da nossa vida e da nossa sociedade com sobriedade, sem aqueles achaques de achismo, notamos que as falhas estão aí bem na nossa frente e devem sim ser curadas já.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, teria dito em sua longa vida que: “o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento”, pelo menos deveria ser assim, se Hegel não nos basta para enxergarmos a realidade, então vamos para Amartya Sen, economista, filósofo, ganhador do Prêmio Nobel de economia no ano de 1.998; dentre tantos campos que tem merecido sua atenção, destacam-se a pobreza generalizada e as diversas situações políticas em todos os continentes, tais fenômenos isolados, que quando colocados lado a lado nos mostram o resultado de uma longa história de desvios e arroubos insanos que culminaram em grandes equívocos, como por exemplo a atual crise viral, essa que não pode ser analisada somente a partir do vírus como estamos sendo bombardeados todos os dias; ela nos revela na sua profundeza algo de muito sério.

Para Sen, o pai do Índice de Desenvolvimento Humano, todos estamos sim vivendo um tempo de enorme intensidade, ninguém escapando das mudanças que estão sendo realizadas em especial nas nossas prioridades, diferentemente da lucidez maquiavélica; Sen nos brinda com um olhar público, um punhado de situações insatisfatórias, às quais por sua vez quando examinadas a fundo podem nos dar pistas do que poderemos fazer a longo prazo para sairmos da situação atual. Já passou da hora de nos interrogarmos a respeito do surgimento da crise viral, o modelo de crescimento a que ela está atrelada, bem como as falhas por ela mostrada de que o nosso planejamento como comunidade global estava e ainda se encontra radicalmente fraturado; pior será ainda se continuarmos a nos encantarmos com as interpretações errôneas achando que tudo vai bem, que o pior já foi.

Amartya Sen, constantemente nos tem alertado de que realmente sabemos bem o que fazer para que o nosso desenvolvimento futuro não seja apenas mais uma bela retórica como outras tantas que nos antecederam, o desafio está amplamente aberto para todos os setores isso para se conseguir o máximo efeito positivo para se evitar outras crises como   a atual. Pobres ou ricos, indistintamente todo tem a seu dispor uma grande quantidade de dados sobre aquilo que mais nos aflige e as armas para se enfrentar tais problemas, Sen está convicto de que a política mundial precisa ser amplamente remodelada para que a economia não corroa a estrutura de todos, em especial dos mais vulneráveis; infelizmente um dado que assusta é o fato que muitas vezes o poder conferido a determinadas pessoas para bem gerirem o bem comum, acaba revelando o que elas tem de piores dentro de si.

Bioeticamente, deveríamos todos estar bem cientes do quanto a crise viral expôs todas as fragilidades da chamada ordem global, o sistema neoliberal ao querer ser o senhor e mestre de si mesmo em todos os campos nos legou uma hostilidade sem precedentes como pouco se viu na história, novas formas de violência, o declínio da confiança em instituições antes tidas como inabaláveis, o recrudescimento da fome e do desemprego, o Brasil com seus praticamente quinze milhões de desempregados é uma das cruéis lições que o vírus nos deixa. Ao se privar o ser humano de usar as suas capacidades ele adoece sob variadas formas e com ele adoecem outras diversas realidades, pois tudo está ligado a tudo; os pequenos fanatismos a que estamos expostos revela que há no mundo algo de imbecilizante que poderá nos afundar por completo e isso não será nada bom para ninguém, Amartya Sen é lúcido ao nos mostrar que o mundo e as pessoas não são um espetáculo a serem observados de modo impassível, são antes em tudo, realidades vivas.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Mestre e Doutor em Filosofia, é professor titular no Mestrado de Bioética na PUCPR

você pode gostar também
Deixe uma resposta