Pai, normativamente humano

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Para pensarmos, falarmos ou escrevermos sobre os nossos pais não precisamos de muitos arroubos teóricos, ou seja, eles são assim o que são diante de nós e dos outros, foram o que foram e serão o que serão, disso nenhum pai poderá fugir, pai um ser nômade por natureza, embrenhado em muitas tarefas, na maioria das vezes preocupado em dar o melhor para a sua família, às vezes de tão atarefado ao se dedicar aos outros esquece que ele tem uma vida, sabemos por experiência própria que muitos pais guardam muitas coisas em silêncio para o bem da família, suportam com abnegação muitos dissabores que a vida lhes impõe em prol dos filhos. Alguns pais perderam muito cedo a sua juventude, deixaram de viver para dedicar sua vida ao trabalho para levar conforto aos que são próximos; pai é essa figura única na vida dos filhos, uma arte, um dom, pai é pai em qualquer circunstância.

No epicentro de tantos acontecimentos da vida cotidiana está o pai real, singular, seja consciente disso ou não, como os filhos gostariam que seus pais fossem estáveis em seu comportamento para com eles, mas isso é muito difícil de ser conseguido, afinal um pai como outro ser humano qualquer está imerso nas contradições do mundo, é algo muito mais forte que ele, algo que ele simplesmente não tem controle algum. O projeto moderno da sociedade de certa maneira acabou afetando em muito a figura paterna, infelizmente de tão obcecados pelo mais e melhor muitos pais acabaram deixando de lado muitas tarefas simples, abandonaram os filhos, deixando esses viverem e conviverem com os artefatos técnicos desde a mais tenra idade; não raro escutamos muitos filhos dizerem que o seu pai lhe deu tudo materialmente, mas o que eles mais precisavam, foi-lhes negado em demasia.

Dos pais que partiram, temos lembranças guardadas, muitas dessas partidas foram cedo demais, provocaram ruptura, colisão violenta na vida dos que ficaram, histórias que ficaram pela metade, tais conflitos ainda hoje são parte inevitável da existência humana; apesar disso, contra qualquer falta de esperança guardamos dentro de nós a esperança de que aqueles pais que foram estejam bem onde eles estiverem. Dentro de cada um de nós, a menos que alguns sejam extremamente insensíveis a isso, sempre há uma busca incessante por respostas, uma sede infinita de encontrar um modo de reatarmos nossos laços com nossos pais que foram viver uma outra vida, diferente da nossa; aos pais que se foram, nada nem ninguém irá trazê-los de volta, só podemos sim agradecer a oportunidade que eles nos deram de estarmos aqui hoje realizando a continuação dessa viagem única.

Em relação aos pais da atualidade, o desafio não é menor, entraram em contato com uma realidade que eles, nem ninguém sequer imaginava, foram surpreendidos por uma crise viral sem precedentes na história humana, muitos pais de uma hora para outra viram o chão abrir-se diante deles, quantos pais perderam o emprego, muitos pais foram forçados a fechar o seu comércio, que por sua vez era o local que empregava outros pais e assim por diante. Infelizmente, muitos pais que atualmente fazem essa experiência dolorosa caíram naquilo que comumente se chama de niilismo, por outras palavras, da euforia a que estavam acostumados a viver, estão agora pessimistas em relação ao amanhã, não são poucos os pais de agora que viram seus projetos de vida naufragarem; cansados, esses pais sem apoio principalmente da família, podem vir a sucumbir ao que há de pior na vida.

Aos pais de amanhã, ter na mente: a situação jamais será como hoje, disso ninguém duvida, ser-lhes-á proporcionado novas tarefas, novas responsabilidades e desafios, a magnitude do empreendimento ser pai nessa mudança epocal ainda nos é desconhecida, só trilhando o caminho é que descobriremos; na admissão da irregularidade planetária dos acontecimentos que afetam todos e também na admissão que tal irregularidade só será vencida com a ajuda de todos, haverá possibilidade da continuação da vida. Os futuros pais não poderão se esquivar de ensinar aos seus filhos que a vida só vale a pena ser vivida quando todos os elementos que compõe o todo caminham em harmonia, que tudo ao nosso redor precisa de cuidado, que todas as criaturas abaixo de nós são indispensáveis para o bom funcionamento do meio ambiente e que esse é vital, merece o nosso respeito integral.

Bioeticamente, a figura paterna é crucial para todo desenvolvimento humano dos filhos, sua falta ou seu excesso são tranquilamente prejudiciais, particularmente dada a situação vigente onde muitos filhos não sabem bem o que realmente está acontecendo no Planeta, estão acuados, com medo, inseguros, estavam sim muito acostumados, seduzidos e hipnotizados com o brilho e anúncios fantásticos das telas dos celulares, smartphones e outras milhares de quinquilharias disponíveis. A mudança paradigmática que ora se apresenta poderá ser uma ocasião repleta de oportunidades para que os pais sejam mais humanos, estejam mais perto dos seus filhos, ensinem a eles as tarefas básicas há muito esquecidas e que a vida exigirá deles dentro em breve, afinal as incertezas campeiam tudo e todos, pois a situação global exige vigilância constante, por outras vias, uma sociedade que foi capaz de desencadear uma crise viral gigantesca é também capaz de outras insensatezes que minem a confiança no outro, na vida, na família, no meio ambiente geral.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Mestre e Doutor em Filosofia, é professor titular no Mestrado de Bioética na PUCPR

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