O menino Inácio, se torna Policarpo

Marcilei Rossi

Foi em 13 de julho de 1924, que na área rural de Rodeio, Santa Catarina, nasceu um menino que recebeu em batismo o nome de Inácio Berri.

Décimo de 11 filhos [sete homens e quatro mulheres] de Dona Melânia e Félix Berri, este menino somente foi registrado em cartório anos mais tarde. Mais precisamente ele mesmo se registrou quando completou 18 anos, pois precisou se alistar.

Mas mesmo antes de chegar a maioridade, o jovem já tinha deixado a casa dos pais para iniciar seus estudos no seminário da Ordem Franciscana em Rio Negro (PR), quando ainda tinha 11 anos. Lá permaneceu por 8 anos.

Como em muitas famílias numerosas do início daquele século, a até mesmo representando a grande religiosidade, Inácio não foi o único dos filhos de Melânia e Félix a ser ordenado. Assim como ele, irmãos e primos se dedicaram a vida religiosa, todos como frades [freis franciscanos].

Em certa ocasião disse, ele ao Diário do Sudoeste, “na época havia o costume de mandar os filhos para o seminário, e na minha cidade tinha o

seminário Franciscano”, completando recordando como foi sua formação.

“Naquela época era costume tirar férias só no final do sétimo ano, então se ficava um longo período preso (risadas), sem visitar os pais. Passado um tempo, as regras mudaram e após três, quatro anos de estudo era permitido a visita aos familiares”, afirmou o homem que adotou o nome de Policarpo, após ter concluído sua formação no Rio de Janeiro, sendo ordenado em 25 de julho de 1950, portanto, há 70 anos.

Mesmo já tendo sido ordenado, a vida à Pato Branco somente ocorreu um pouco mais tarde, já que no intervalo de tempo, ele permaneceu em Petrópolis (RJ), para a conclusão dos estudos de Teologia, uma vez que naquela época, após ordenado, os religiosos cumpriam mais um ano a um ano e meio de formação em Teologia.

Ainda, como o Diário revelou no especial Pato Branco 60 anos, a chegada ao Sudoeste e mais precisamente a sua residência por mais tempo, somente ocorreu 4 anos depois, já que ele trabalhou em Niterói (RJ).

Antes mesmo de chegar a Pato Branco, em 1956, então com 32 anos de idade, ele teve uma rápida passagem por Francisco Beltrão.

“Naquela época era um município novo [Pato Branco], não tinha casa de material [alvenaria], nem calçamento. Quando chovia, era lama, e quando vinha seca, era poeira que sujava dentro das casas”, recordou Policarpo em outra oportunidade.

Ele mesmo contou que, “eu nunca pedi transferência, e não pedindo

eles [Província Franciscana] me deixam em paz aqui. Se eu tivesse pedido eles teriam me mandado para outro lugar, mas fiquei quietinho nesses 57 anos (na época da entrevista), eu até recebi o agradecimento do provincial por nunca ter pedido transferência”.

Carisma

Tendo chegado a Pato Branco no início da segunda metade da década de 1950, a história de Policarpo se mescla a do Município, e principalmente com a da Paróquia São Pedro Apóstolo, que foi instalada no princípio dos nos 50.

Naquele período como escreveu o professor e historiador Sittilo Voltolini em “Retorno – Origens de Pato Branco – Primeira parte”, a igreja estava construída na área da atual praça Presidente Vargas.

O historiado na mesma obra descreveu Policarpo como “figura carismática”, ao relatar os trabalhos espirituais apostólicos, tanto na cidade como no interior.

Já no livro “Memórias de Alberto Pozza em Vila Nova de Pato Branco”, do pioneiro Alberto Pozza, o autor conta que, ainda na década de 1950, a Paróquia São Pedro compreendia aproximadamente 50 capelas, entre elas capelas de Vitorino, Itapejara [D’ Oeste] e Bom Sucesso [do Sul].

Cerca de 4 anos após a chegada de Policarpo em Pato Branco e com a mudança de pároco [saiu frei Honorato e chegou frei Gonçalo], teve início os encaminhamentos para a construção da nova igreja Matriz.

Pioneiros como Pozza contam a forte atuação de Policarpo na arrecadação de recursos para a construção, do que hoje é um dos principais símbolos do Município.

O carisma mencionado por Voltolini se perpetua por décadas, passando por gerações o carinho pelo frei de passos rápidos, das missas rápidas, mas de memória invejável, e que até 2019, manteve a rotina de, diariamente, percorrer as ruas de Pato Branco, distribuindo bênçãos e cumprimentado a todos com um de seus gestos característicos.

Em certa oportunidade a Associação de Letras de Artes de Pato Branco (Alap), definiu frei Policarpo como um agraciado pela abundância da graça divina e genialidade intelectual e no campo musical. “Anda pelas ruas da cidade irradiando amor e humildade, gosta dos animais, de pedir que as pragas deixem as plantações. É um Francisco de Assis nas ruas de Pato Branco.”

Hoje reconhecido pela comunidade por seus trabalhos prestados, segue viva na memória e nos registros da Igreja e do Município a atuação do religioso na transformação local.

Policarpo foi ativo na formação das comunidades rurais e em algumas atuou com grande frequência até a década de 2000.

Um Sudoeste franciscano

O livro “Presença Franciscana em Terras Brasileiras”, das professoras Neri França Fornari Bocchese e Elizabeth Maria Chemin Bodanese publicado em 2015 não apenas aborda presença dos franciscanos no Brasil, com dá luz ao sudoeste do Paraná.

Nesta obra, frei Policarpo escreveu que “o trabalho dos frades alemães, restauradores da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, começou em costas catarinenses, nas cidades de Teresópolis, Blumenau, Gaspar, depois subiu o planalto rumo a Lajes e Curitibanos. Desde o início, frei Solano e companheiros percorreram campos e matas, a pé e a cavalo, de Palmas à Argentina, através do oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná.”

Na mesma publicação, o religioso afirmou que a fundação da fraternidade de Santa Cruz, em 3 de maio de 1903, em Palmas, marca o início da atuação na região.

Contudo, somente 30 anos depois, em 1933, que a Santa Sé erigiu a Prelazia de Palmas, que unia pela religião os territórios do Sudoeste paranaense e do Oeste catarinense.

Foi em 1936, que o Vaticano indicou frei Carlos Eduardo Sabóia Bandeira de Mello, da Ordem dos Frades Menores (OFM), que atuava no seminário de Rio Negro, o primeiro Prelado, o similar a Bispo.

No entanto, com o crescimento populacional e o desenvolvimento social e econômico, em 1957, a extensa área de terra foi dividia, estabelecendo assim duas dioceses, a de Palmas — mais tarde reconhecida como Palmas e Francisco Beltrão —, no Paraná e a de Chapecó, em Santa Catarina.

Dos idos tempos da grande atuação franciscana na região, aos dias de hoje, de quando os sacerdotes que cortavam as áreas do Sudoeste ao presente, o que se viu foi o crescimento de outras congregações religiosas, com isso, os frades passaram a ter atuação em municípios específicos.

Até 2019, as casas franciscanas estavam estabelecidas em Pato Branco (Paróquia São Pedro Apóstolo), Chopinzinho (Paróquia São Francisco de Assis) e Mangueirinha (Paróquia Imaculada Conceição). No entanto, após processo de transição, hoje a condução dos trabalhos em Mangueirinha segue aos cuidados dos padres Diocesanos.

Por que de Policarpo?

Certa ocasião Policarpo mesmo relatou a troca de nome. Sim, quando ele foi ordenado, como era de costume, escolhia-se um novo nome para o religioso.

Contou ele que quando da sua ordenação, havia falecido um menino chamado Policarpo, e para homenagear, lhe foi dado o nome.

Por sua vez, Policarpo significa o que frutifica várias vezes; que tem ou que produz muitos frutos.

Abaixo-assinado

As pesquisadoras Neri e Elizabeth relatam que em 1977, o frei já bastante querido pela comunidade de Pato Branco, foi “emprestado” para a Paróquia de Ipanema (RJ). “Precisavam da sabedoria e da santidade do bom frade”, apontam em determinado ponto do livro por elas escrito, descrevendo que a população não ficou feliz com a novidade da época.

Conforme as pesquisadoras, com o passar dos dias da ida de Policarpo às Paróquia de Ipanema, circulou por Pato Branco a notícia de que o religioso não mais voltaria. “Num instante foram feitos abaixo-assinados com milhares de assinaturas implorando o seu regresso.”

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