Sexualidade após a chegada do filho: um tabu para a sociedade

Manter a intimidade do casal pode ser difícil após a chegada do filho, mas é essencial para a mulher tirar um tempo para si e se reencontrar

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Resgatar a atividade sexual após a chegada de um novo membro na família pode ser bem desafiador. A dificuldade em ter relações sexuais é explicada por especialistas como natural para o período, devido a todas as alterações físicas, hormonais e emocionais que acontecem no corpo feminino durante o temido puerpério.

Reconstruir a intimidade do casal e não abrir mão dos momentos a dois é essencial para enfrentar esse desafio, além de que as mulheres que acabaram de se tornar mães precisam se adaptar a todas as mudanças e se reencontrar com a sua sexualidade.

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Para falar com mais propriedade sobre o assunto, convidamos a psicóloga, neuropsicóloga, terapeuta de casal e sexual, Raquel Simone Varaschin (mãe de Adrian, 31 anos) para tirar algumas dúvidas acerca desse assunto tão importante para a vida da mulher.

Falar sobre a sexualidade da mulher é um tabu para a sociedade e fica ainda maior após essa mulher se tornar mãe e sabemos que toda a vida dessa mulher muda após a maternidade, inclusive o sexo. Do ponto de vista profissional, o que realmente muda após a chegada do bebê?

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Raquel Varaschin: O ciclo gravídico-puerperal é um período de muitas mudanças, tanto corporais, hormonais, emocionais, ambientais, como também na configuração do casal e familiar, que implicam em ressignificações, em novas adaptações, e que acaba distanciando a mulher de sentir o desejo, e de ter uma libido que mantenha a atividade sexual.

Quais fatores influenciam a sexualidade da mulher após a maternidade e quanto tempo isso permanece diferente do que ela já estava habituada?

Ao tornar-se mãe, a mulher passa a desenvolver um olhar diferenciado, sensibilidade e cuidados, inundada por um importante hormônio que atua no parto, na amamentação e na formação do vínculo mãe/bebê – a ocitocina. Considerado o “hormônio do amor”, é responsável pela sensação de prazer, pelo bem-estar físico e emocional, e pelo desenvolvimento do apego. Lembrando que a ocitocina também é liberada através do contato físico, do beijo, do abraço, do carinho na relação com o bebê, quando os pais também podem ser beneficiados com o aumento deste hormônio ao estabelecer um contato mais íntimo com o bebê.

Além da ocitocina, temos a prolactina, um hormônio que atua na glândula mamária e, após o parto, age nas células produtoras de leite, acelerando sua produção. Mas a prolactina e a ocitocina aumentadas, que se associa à diminuição nos níveis da progesterona, estrogênio e testosterona, podem levar a queda da libido, diminuição da lubrificação, e possível presença de dor na relação.

Pensando em uma mãe primípara (que pariu pela primeira vez), normalmente verificamos um aumento nos sentimentos de ansiedade e tensão, pois ela agora está frente a uma situação que é nova e desconhecida para ela. Vive um sentimento de incerteza que já estava presente na gestação: “Será que vou conseguir dar conta de ser mãe? Questiona se será capaz de atender a todas as demandas do filho(a), bem como as responsabilidades e exigências que a maternidade traz.

Em contrapartida, temos a mulher que já não se sentindo confortável com o próprio corpo em função das alterações que sofreu durante a gestação e pós-gestação, passa a experimentar o medo que seu par não mais a deseje em função destas mudanças, principalmente, porque ela não se reconhece neste corpo. E algumas mães que amamentam, ressignificam os seios, que passam representar fonte de alimento e de vínculo com o bebê, e não mais símbolo erótico e fonte de prazer sexual. Neste caso, a mulher passa a ter dificuldades em aceitar o toque de seu par. Para se defender destes processos, o resultado pode ser o afastamento de situações que promovam intimidade entre o casal. E não podemos esquecer de condições especiais que afetam ainda mais a sexualidade da mulher e do casal neste período, quando temos um bebé de risco, que exige cuidados e atenção redobrados, ou quando a mulher desenvolve uma depressão pós-parto.

Uma das principais queixas das mulheres é sobre a falta de entendimento do marido após o nascimento da criança, qual a importância do parceiro nesse período e o que ele pode fazer para ajudar a mulher?

É muito importante que o marido se envolva com todos os cuidados que um bebê exige, participando ativamente. Que a mulher deixe que seu parceiro realize movimentos em prol desta criança, mesmo que ele “não tenha jeito” (frase muito dita pelas mães), e não o afaste das funções. Que se rompa os limites que desenvolvemos em função de estereótipos de gênero – o que é do homem e o que é da mulher.

Também se faz necessário conhecer todas as variações física, fisiológicas e psicológicas da mãe neste momento, para que a compreensão neste âmbito ocorra e se produza um novo repertorio de resposta. É o que acontece atualmente quando os homens reconhecem que uma mulher está em TPM (tensão pré-menstrual), e adequam atitudes e comportamentos.

Quais as principais queixas das mulheres que te procuram pedindo ajuda?

As queixas estão vinculadas `a sobreposição de papeis, — ser mãe, ser profissional, ser mulher, ser filha, irmã, … que geram uma sobrecarga física e emocional. Aliado a este fator, temos a exigência da supermulher, que precisa dar conta de tudo e fazer bem feito —, e assim ser validada.

As mudanças impostas por uma nova configuração e dinâmica familiar também precisam de um tempo de ambientação e adaptação. Mas numa sociedade em que tudo é emergente, e exige uma performance, vamos nos deparar com transtornos de ansiedade ou de humor.

As cobranças do par em relação a perda afetiva e sexual, que geram um sentido de obrigação e a distância de experimentar o prazer.

Os mitos e tabus que a mulher carrega também acerca da maternidade e sua sexualidade, que prejudicam o despertar de sua sexualidade novamente.

E hoje temos a questão cada vez mais presente que é o tempo que a criança passa dividindo a cama com os pais, e o que está por traz disso: medos da criança? Insegurança dos pais? Manter o distanciamento do casal quando já estão com problemas? A dificuldade de lidar com o crescimento do filho/a e tornar-se mais independente?

Observamos uma sociedade que dá muito palpite na vida da criança e do casal, principalmente com o compartilhamento de informações na internet, o que gera muita ansiedade em todas as partes e o medo de não agradar. A pressão imposta pela sociedade e a pressa para retomar a atividade sexual pode dificultar o período?

Com certeza, porque as emoções que são desenvolvidas neste período são antagônicas ao desejo e ao prazer. A mulher já se percebe aquém do que se espera dela neste momento, e isso gera ainda mais sentimento de incompetência e impotência frente a esta situação.

O que a mulher pode fazer para se sentir mais segura e retomar a vida sexual com mais naturalidade após ter filho?

Tanto a mulher, quanto o homem, precisam ter conhecimento sobre todos os processos que ocorrem desde a gestação ao nascimento de uma criança, e respeitar o tempo de acomodação das mudanças, principalmente as hormonais, psíquicas, vinculares, e da rotina antes estabelecida.

Comunicar os acontecimentos, compartilhar sentimentos e emoções, e cuidar com as leituras/interpretações que fazemos (ex.: quando o homem acredita que não tem mais lugar e espaço na vida da mulher, que não é mais amado, que apenas o filho importa, etc…), que acabam despertando defesas que serão prejudiciais na relação, não favorecendo condições para restabelecer a intimidade do casal.

Dedicar um tempo para fazerem coisas juntos, mesmo que por curto tempo, mas priorizar esse momento, para continuar alimentando o vínculo.

Manter o olhar, o carinho, e não deixar de surpreender o outro positivamente, como pequenas ações que demonstrem apoio, acolhimento e amorosidade.

Lembrar dos elementos facilitadores que impeliam ao desejo, que aqueciam a relação e a estimulavam. Pois, neste momento, com tantos fatores que podem interferir na libido, a mulher e o homem precisam conhecer o desejo responsivo (que difere do desejo sexual espontâneo) – o que se produz com os níveis de intimidade que o casal vive, com a compreensão, com as fantasias, com o resgate da autoestima, com o autoconhecimento sexual, e com a entrega.

Raquel Varaschin
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