Bullying não deve ser naturalizado

Flori Antonio Tasca

Muitas vezes, os educadores naturalizaram de tal maneira o problema do bullying, por se verem incapazes de enfrentá-lo, que afirmam que essas situações não merecem tanta atenção assim. A incapacidade de reconhecer a intimidação e a ameaça como um modo violento de se relacionar faz com que as normas aplicadas para resolver o problema sejam inadequadas e geradoras de novas agressões entre os envolvidos. As vítimas, por sua vez, enxergam a atitude do educador como falta de interesse ou pouco controle da situação, e assim perdem a confiança na mediação de um adulto e desenvolvem estratégias para tentar fazer justiça pelas suas próprias mãos.

Essas questões foram abordadas pelos pesquisadores Alfredo Manuel Ghiso e Viviana Yanet Ospina Otavo no artigo “Naturalización de la intimidación entre escolares: un modo de construir lo social”, publicado em 2010 pela “Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud”. Eles analisaram o processo de naturalização e invisibilidade do bullying a partir de três escolas na Colômbia e constataram que as mediações de conflitos carecem de eficácia. Há uma tendência de minimizar os episódios de agressão, enquanto um ato de violência extrema (como o suicídio ou outra morte violenta) não afetar as rotinas institucionais da escola.

Os pesquisadores defenderam que as práticas escolares são construídas em uma sociedade que se acostumou a suportar a intimidação e o maltrato exercido por indivíduos mais poderosos, o que reforça as representações sociais que justificam a agressão. Trata-se de uma cultura patriarcal que legitima e naturaliza a luta, a agressão e o controle, afirmando uma coexistência baseada em autoridade e subordinação, superioridade e inferioridade, poder e fraqueza ou submissão. As vítimas dessa cultura se acostumam com ela e se acham até merecedores das agressões. A familiarização de agressões torna aceitável o inaceitável e admissível o que é inadmissível, sendo, assim, um mecanismo que mantém certas estruturas e modelos culturais.

A naturalização da intimidação e do bullying tem íntima relação com a resposta e a atitude que tomam aqueles que presenciam a prática da agressão. E muitas vezes o observador pensa que não se pode fazer nada, de maneira que as agressões se tornam comuns e permanentes, além de invisíveis e irrelevantes. A escola, por sua vez, costuma entender que a violência faz parte de um modo de ser social aprendido fora da escola, normalmente no contexto familiar. De fato, esses outros contextos repercutem na escola, mas esta pode reproduzir ou amplificar dinâmicas de violência. Por isso, se entende que não é possível desconsiderar o contexto escolar.

O que não pode prevalecer é a norma “olho por olho, dente por dente” que faz com que vítimas se tornem também agressores, já que educadores e pais se desentendem ou tratam de minimizar o problema. Os pesquisadores sugerem um debate acadêmico urgente em que participem de maneira interdisciplinar e articulada a Pedagogia, a Psicologia e a Sociologia da Educação. Eles acreditam que deve ser criada uma cultura que construa novas maneiras de ser e estar, com uma Pedagogia crítica que leve à criação de ambientes e dinâmicas que favoreçam uma nova maneira de se relacionar e viver em comunidade. Essa mudança, salientam os autores, não deve ser imposta, mas apreendida. Processos educativos personalizados e grupais podem permitir que as vítimas encontrem saídas que rompam com a naturalização da prática, o que leva ao seu silenciamento.

Para deixar de tornar a violência algo familiar, é preciso reconfigurar ambientes e contextos em que se desenvolvem comportamentos e ideologias autoritárias, intransigentes e deterministas, já que eles levam a naturalizar e tornar invisível as raízes das práticas de intimidação e bullying entre alunos. Os pesquisadores propõem que cada membro da escola se comprometa com a construção de relações e interações que mudem o modelo patriarcal de exercer o poder. Essa mobilização pedagógica para desnaturalizar a violência é vista como libertadora e supõe uma postura política não neutra diante de qualquer tipo de agressão.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, [email protected]

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