Estudo aponta problemas da categoria “bullying”

Flori Antonio Tasca

Uma pesquisa que questionou a utilização do termo bullying para categorizar conflitos ocorridos na escola foi realizada por Giovanna Marafon, Estela Scheinvar e Maria Lívia do Nascimento. O estudo “Conflitos enquadrados como bullying: Categoria que aumenta tensões e impossibilita análises” foi publicado em 2014 na revista “Psicologia Clínica”.

As pesquisadoras consideram que ao separar os envolvidos em duas categorias fixas, ou seja, vítimas e agressores, são impostos dois caminhos. O agressor é conduzido aos ritos da judicialização e da medicalização, visto como delinquente e psicopata em potencial. À vítima se oferece a linha jurídica para se defender, mas ela não escapa de ser incluída em diagnósticos de síndrome do pânico, fobia escolar, depressão, baixa autoestima, etc.

Os diferentes modos de viver uma situação de enfrentamento e as tensões ocorridas a partir de provocações entre alunos foram reduzidos à categoria “bullying”, que também cria as suas próprias fórmulas de resolver o problema. As pesquisadoras afirmam que isso retira todo o caráter plural, singular e criativo das convivências cotidianas. Além do mais, leva a uma prática de judicialização da vida, marca de uma sociedade punitiva.

As determinações legais que pretendem assegurar as denúncias de casos de violência contra a criança e adolescente, às vezes estabelecendo a obrigatoriedade de notificação compulsória à própria polícia, também produziriam criminalização e judicialização, na medida em que retira dos sujeitos envolvidos e da escola a capacidade de resolver os seus problemas. A criação de categorias como “bullying” levaria a generalizações, inibindo outros sentidos possíveis das relações para transformá-las em uma coisa só.

O tema ainda é desenvolvido dessa maneira pelas autoras do estudo: “Quando se diz que houve bullying, não há mais opções, pois as possibilidades das relações humanas que pensaríamos múltiplas são abortadas em favor do seu enquadramento em um único sentido: ‘foi bullying’. Isso basta. Ficam implícitas as intenções e as decorrências, perdendo-se completamente as singularidades”. Nessa visão, o bullying seria uma repetição e um modelo de comportamento e defeitos abordado de forma naturalizada.

Em suma, a perspectiva das autoras é que a categorização do bullying faria com que os acontecimentos perdessem a sua espontaneidade para se converter em uma única possibilidade na qual indivíduos seriam rotulados como vítimas ou agressores. Elas acrescentaram que o olhar punitivo tem levado as próprias crianças a se perguntar qual é a diferença entre brincar e bullying. “Se há acontecimentos definidos como bullying, quais os definidos como brincar?”, questionam. Foi destacado que não se investe na retração das condições que geram o que é tido como “anormal”, mas sim em normas e padrões que causam enfrentamento entre os que os seguem e os que se desviam.

O bullying, assim sendo, se torna uma força-inimiga a ser combatida, mas para isso o inimigo toma forma no corpo de colegas, de alunos, de vizinhos, de amigos, todos passíveis de ser enquadrados na condição de agressores e vítimas. Toda e qualquer ação conflituosa torna-se intolerável, precisando ser pacificada por novos meios de resolução, mediados por outros. O bullying, da forma que é apresentado, seria então uma fatalidade para a qual temos que nos preparar com procedimentos padronizados. Dessa forma, acontecimentos que poderiam ser considerados uma situação-problema se tornam crime ou doença, o que contribuiria para incrementar os movimentos de judicialização da vida.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, [email protected]

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