“Havia uma galera que usava uma camiseta em que estava escrito ‘vá ao teatro, mas não me chame’. Nas minhas peças as pessoas iam”, se orgulha a atriz, que prepara uma série de comemorações para celebrar os 40 anos de carreira contados desde que subiu no palco pela primeira vez, tendo incentivadores como o escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu, responsável por sua saída de Porto Alegre.
“Eu tinha menos de 20 anos, não sei o que ele viu em mim, mas ele dizia que Porto Alegre era muito pequena para mim, e me trouxe para cá, e daqui nunca mais saí”, relembra Gianoukas, que, trabalhando como garçonete, encontrou na noite o reduto de que precisava para crescer.
“Sempre fui underground. Eu trabalhava num pub administrado por um francês e um belga, e eles me deram todo o espaço, mas eu não fazia nada de teatro e comecei a ficar louca, até que teve um dia numa festa de Halloween que fui trabalhar vestida de morta, passei a noite inteira performando e foi um sucesso. Nos outros dias, eu trabalhava, largava a bandeja, fazia uma performance e voltava a trabalhar.”
Passou então a se formar um público para a atriz. “As pessoas iam aos bares para beber, comer, transar, tudo, menos ver alguma coisa de teatro. Eu tinha de ser impactante, rápida, inesquecível e tchau. Aí, fui desenvolvendo um estilo de esquetes e coisas visualmente impactantes. Sempre fui mais rock-and-roll do que teatro.”
Com a adesão de Angela Dip, Giovanna Gold e Marcelo Mansfield, a formação original da Cia Harpias e Ogros, as apresentações ocorriam em casas noturnas e chegaram a lotar a plateia do Centro Cultural São Paulo. O grupo encabeçou então a revolução alternativa surgida após o Prêmio Crème de Lá Crème, idealizado para levar às apresentações figuras do quilate de Rita Lee, Maguila e Washington Olivetto.
“Nós criamos o prêmio para as pessoas irem nos ver, e muitas iam. Aí fomos pirando. Pessoas que tinham transado muito naquele ano no circuito levavam o prêmio Membro Atuante, Angela, eu e Marcelo sempre ganhávamos os prêmios de melhores atores. Foram sete anos seguidos. Teve um ano em que o troféu era feito de gelo, quando a pessoa descia do palco ele já tinha derretido. Porque a fama é efêmera”, se diverte.
“Pegamos uma época em que aconteceu a abertura. Os lugares eram incríveis porque as pessoas trocavam figurinha. Você via de tudo no Madame Satã. Tinha a socialite, o punk, o gay, e tinha treta porque, de repente, o punk decidia brigar com o gay, mas era tudo olho no olho, não essa covardia de ter um garoto gay caminhando na Paulista e vir um sarado quebrar uma lâmpada na cabeça dele.”
Da experiência nasceram personagens que, mais tarde, comporiam a programação do Terça Insana, e os quais Gianoukas disseca a partir de 25 de setembro, quando sobe ao palco do Clube Barbixas de Comédia para estrear o espetáculo no qual conta as histórias de suas criações mais icônicas, entre elas a clássica Cinderella, ex-participante de um quadro do Programa Silvio Santos que acaba como traficante e dependente química.
“Eu fiz essa personagem para falar de drogas, e também da minha experiência com substâncias. Aí nasceu o Não Quero Droga Nenhuma – A Comédia, baseada num slogan do governo Sarney. E a campanha dava uma fissura na pessoa no meio da madrugada, não servia para ajudar ninguém. A história é radical. Eu bato e faço cosquinha.”
Foram cinco anos de temporada, que contou com jovens cumprindo medidas socioeducativas e também com o Departamento de Narcóticos de São Paulo. A resistência que a artista sentiu quando estreou o espetáculo ainda na década de 1990, acredita, se assemelha muito com os tempos de hoje.
“Eu abria um espetáculo de 2018 com um texto de 2014 em que falava sobre uma tendência que estava bombando no mundo inteirinho: o fundamentalismo. E olha o que aconteceu. Para questões políticas se instalarem, temos de ter ambientes propícios de comportamento social, e é a ele que eu vou me apegar.” Assim é em O L Perdido, espetáculo em cartaz no Teatro Folha.
Dividindo a cena com Agnes Zuliani, Gianoukas dá vida a uma mulher que, negacionista, é contra os índios e a favor do desmatamento. “Aí se revela a polarização em que estamos instalados. A minha personagem incorpora falas sem o mínimo embasamento. Lugar de fala, pautas identitárias, tudo isso é completamente mal colocado na boca da personagem, como é nas redes sociais.”
E se aprofunda: “Ninguém consegue mais instalar um ambiente de reflexão sem sofrer uma interferência ridícula da mídia e dessa coisa de venda. A história do desmoronamento da nossa civilização, que é uma questão social, está inserida na minha obra. Ela existe para questionar e derrubar isso”, finaliza.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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