O Maior Levante Agrário Vitorioso do Brasil
A Revolta dos Posseiros do Sudoeste do Paraná, ocorrida em outubro de 1957, representa um marco único na história brasileira como o único conflito agrário armado em que os posseiros saíram vitoriosos. O episódio teve suas raízes na política de colonização implementada durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, que criou em 12 de maio de 1943 a Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO) para ocupar os vazios demográficos da região de fronteira com a Argentina.
A CANGO instalou-se na região sudoeste paranaense com o objetivo de assentar pequenos agricultores, principalmente gaúchos e catarinenses, oferecendo gratuitamente terra, ferramentas, sementes e assistência técnica. Milhares de trabalhadores rurais migraram para a região, atraídos pela possibilidade de obter terras próprias e melhores condições de vida.
A Disputa pelas Glebas Missões e Chopim
O conflito teve origem na disputa jurídica pelas glebas Missões e Chopim, que totalizavam aproximadamente 497 mil hectares. As terras estavam em litígio entre a União Federal e o Estado do Paraná desde o final do Império, quando Dom Pedro II concedeu ao engenheiro João Teixeira Soares uma vasta área de terras devolutas em troca da construção da ferrovia Itararé-Uruguay.
Em 1950, a Clevelândia Industrial e Territorial Ltda (CITLA) obteve ilegalmente um título de domínio sobre as terras já ocupadas pelos colonos da CANGO. A empresa, que fazia parte do “Grupo Moisés Lupion” e tinha o próprio governador como um de seus principais acionistas, instalou-se na região em 1951 e passou a exigir que os posseiros assinassem contratos de compra e venda das terras que já ocupavam.
A Escalada da Violência
A situação se agravou drasticamente em 1956, com o retorno de Moisés Lupion ao governo do Paraná e a entrada de duas outras companhias ligadas à CITLA: a Comercial (Companhia Comercial e Agrícola Paraná Ltda) e a Apucarana (Companhia Imobiliária Apucarana Ltda).
As empresas contrataram jagunços experientes de outros estados para intimidar e expulsar os posseiros através de métodos violentos. Conforme registrado nos documentos históricos, “as ações dos jagunços eram violentas e resultavam em estupros, espancamentos, incêndios, depredações e até mesmo mortes”. Os criminosos queimavam plantações, roubavam gado, retiravam famílias de suas casas à força e praticavam violência contra mulheres e crianças.
O Assassinato de Pedrinho Barbeiro
O ponto de ruptura ocorreu em 21 de maio de 1957, com o assassinato do vereador Pedro José da Silva, conhecido como “Pedrinho Barbeiro”, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O vereador, que residia no distrito de Verê, município de Pato Branco, estava organizando um abaixo-assinado entre os colonos e posseiros para ser entregue ao governo federal no Rio de Janeiro.
Segundo confissão de um dos jagunços capturados posteriormente, o crime foi encomendado por Iris Mario Caldart e executado por empregados das companhias Comercial e CITLA. O assassinato de Pedrinho Barbeiro sensibilizou profundamente a opinião pública regional e nacional, criando as condições para a radicalização do movimento de resistência.
A Eclosão da Revolta
A revolta propriamente dita teve início em 9 de outubro de 1957 em Pato Branco, onde foi constituída uma Junta Governativa com representantes de todas as facções políticas. Os colonos foram convocados para a cidade através das emissoras de rádio Colmeia, que desempenharam papel fundamental como único meio de comunicação na região.
Ivo Thomazoni, radialista da Colmeia em Pato Branco, assumiu papel de liderança no movimento, utilizando o rádio para coordenar as ações e informar a população. Jácomo Trento, comerciante de equipamentos elétricos, foi nomeado delegado da cidade e encarregado de prender os jagunços, conseguindo capturar inclusive o temido jagunço conhecido como “Maringá”.
A Tomada de Francisco Beltrão
O ápice da revolta ocorreu em 10 de outubro de 1957, quando cerca de 6.000 colonos tomaram a cidade de Francisco Beltrão. Os revoltosos chegaram em caminhões, carroças, a cavalo e a pé, armados com foices, espingardas de caça, enxadas e pedaços de pau, concentrando-se na Praça da Matriz.
A liderança do movimento em Francisco Beltrão ficou a cargo do médico Walter Alberto Pecoits e do comerciante Luiz Prolo. Pecoits, que havia se transferido para a cidade em 1952 e foi um dos fundadores da Rádio Colmeia em 1956, utilizou seu prestígio como médico e vereador para organizar a resistência.
Os colonos tomaram a delegacia, a prefeitura e outros pontos estratégicos da cidade. O prefeito e o delegado fugiram, o juiz de direito foi colocado em prisão domiciliar, e o promotor público ficou sob custódia do Exército até receber autorização para sair.

A Expansão do Movimento
O sucesso em Francisco Beltrão desencadeou uma reação em cadeia, com 11 municípios sendo tomados pelos posseiros: Capanema, Dois Vizinhos, Pato Branco, Planalto, Realeza, Pranchita, Renascença, Marmeleiro, Santo Antônio do Sudoeste e Verê.
Em cada cidade, os revoltosos seguiram o mesmo padrão: invadiram e destruíram os escritórios das companhias de terra, rasgaram promissórias e contratos, prenderam dezenas de jagunços e destituíram as autoridades locais coniventes com as empresas. Os posseiros jogaram nas ruas equipamentos e documentos pertencentes às companhias, simbolizando a rejeição ao sistema de exploração.
A Intervenção Federal
A repercussão nacional do movimento foi imediata. Jornais e revistas nacionais e estrangeiras divulgaram amplamente os conflitos, com um jornal argentino chegando a falar de uma “revolución agraria brasileña”.
O Ministro da Guerra Teixeira Lott deu um ultimato ao governador Moisés Lupion, exigindo o fechamento das companhias imobiliárias e o assentamento dos colonos, sob pena de intervenção federal na região. Diante da pressão federal, o governo paranaense foi forçado a aceitar todas as reivindicações dos posseiros.
A Vitória dos Posseiros
Para evitar a intervenção federal, Lupion aceitou todas as reivindicações dos posseiros. As companhias de terra foram definitivamente afastadas da região, e o interesse político nacional prevaleceu sobre os interesses econômicos privados.
O movimento de resistência camponesa conseguiu sufocar completamente o poder de atuação das empresas na região. Dezenas de jagunços foram presos e expulsos, e as práticas violentas de intimidação chegaram ao fim.

A Solução Definitiva: GETSOP
Embora a revolta tenha sido vitoriosa, a solução definitiva do problema fundiário só veio anos depois. Em 1961, o presidente Jânio Quadros declarou as glebas Missões e Chopim de utilidade pública para fins de desapropriação.
A regularização efetiva ocorreu a partir de 1962, quando o presidente João Goulart criou o GETSOP (Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná) através do Decreto nº 51.431. O órgão, subordinado ao Gabinete Militar da Presidência da República, tinha a finalidade de programar e executar os trabalhos necessários à desapropriação e colonização das terras.
Sob a chefia do engenheiro Deni Schwartz, o GETSOP atuou entre 1962 e 1973, regularizando e titulando 32.256 lotes rurais e 24.661 urbanos. Apenas 4 propriedades não foram tituladas devido a desacordos entre vizinhos. O processo respeitou a posse anterior de cada colono, consolidando definitivamente a vitória dos posseiros.
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O Legado da Revolta
A Revolta dos Posseiros de 1957 é considerada o único levante agrário armado vitorioso na história do Brasil.
A data de 09 de outubro foi instituída como “Dia da Revolta dos Posseiros do Sudoeste do Paraná” no calendário oficial do estado através da Lei nº 16.850/2011. O movimento continua sendo estudado e celebrado como exemplo de resistência popular organizada e vitoriosa contra a concentração fundiária e a violência no campo.
O Papel dos Meios de Comunicação
As emissoras de rádio Colmeia de Pato Branco e Francisco Beltrão desempenharam papel fundamental no sucesso da revolta. Como único veículo de comunicação disponível em meio a uma população majoritariamente analfabeta, o rádio funcionou como informador, mediador e conselheiro.
Em Pato Branco, Ivo Thomazoni gradativamente assumiu o papel de liderança através de seus programas radiofônicos. Em Francisco Beltrão, os próprios acionistas da emissora tomaram partido dos colonos, utilizando o rádio como “megafone de luta”. A coordenação através das ondas do rádio foi essencial para a organização simultânea do movimento em múltiplas cidades.
A Revolta dos Posseiros permanece como um exemplo singular na história brasileira de como a organização popular, a solidariedade comunitária e a resistência pacífica podem triunfar sobre a violência e a exploração, estabelecendo as bases para um desenvolvimento regional mais justo e sustentável.