(Paulo Argollo)
Ah, que bom seria viver sob a égide da democracia grega ou o misticismo plural da grande Babilônia! Imagina só, uma sociedade onde todo mundo se aceita como é e sem pudores e imoralidades cínicas e o sexo não é visto como algo sujo, mas sim como algo sagrado e libertador. Uma sociedade onde cada indivíduo tem voz ativa coletivamente, mas pessoalmente ninguém se importa com quem você mantém relações sexuais, porque tudo é aceito. Um conceito que séculos depois seria ressignificado como libertinagem. Mas que, na real, significa simplesmente liberdade. A verdade é que se a gente quiser achar na história o começo de tudo, dá pra dizer que foi com a queda de Babilônia em 539 a.C. e, alguns séculos depois, o fortalecimento e disseminação dos conceitos do judaísmo e depois, e principalmente, do cristianismo mundo afora dali em diante.
A homoafetividade é tão antiga quanto a humanidade, e sempre foi aceita e praticada na maioria das civilizações antigas. Há registros disso em povos que viveram em 1.200 a.C. Nas civilizações gregas e egípcias, responsáveis por avanços muito importantes na maneira de se organizar e viver em sociedade, a homoafetividade era algo comum. E, de cara, já dá pra destacar aqui a palavrinha mágica: diversidade, afinal essa turma toda eram povos politeístas. A forma como a religiosidade era encarada por esses povos diz muito sobre a sua sociedade. Além do mais, não dá pra negar que a religião sempre moldou a política e os poderes ao longo da civilização humana até hoje. Foi à partir do momento em que ficou estabelecido que só uma divindade é a correta e todas as outras devem ser renegadas que ficou claro que aceitar as diferenças deixou de ser uma opção. Assim, o sexo que era considerado algo sagrado e bom, até porque representava algumas dessas divindades, passou a ser um ato sujo e de afronta ao deus visto como o único que existe, a não ser que fosse praticado somente para reprodução. Ou seja, a homoafetividade estava fora de combate.
A violência contra homoafetivos é igualmente tão antiga quanto a própria humanidade. E, justiça seja feita, não era exclusividade da cultura judaico-cristã. No oriente, se relacionar amorosamente com pessoas do mesmo sexo também não era uma coisa bem-vista. No século XIII, o império mongol de Gengis Khan punia a sodomia com a morte, por exemplo. Mas a coisa ficou quente pros gays com o surgimento da repugnante Inquisição, no fim da Idade Média, quando a igreja católica dominava o ocidente. Mesmo depois do Iluminismo, da Revolução Francesa e de alguns avanços no campo social e filosófico, os homoafetivos ainda eram perseguidos com violência.
No século XIX ,nem mesmo os gênios escapavam. Oscar Wilde, por exemplo, foi condenado a trabalhos forçados na Inglaterra por ter sido flagrado tendo relações com um rapaz. Um século depois, o nazismo também perseguiu e matou milhares de homoafetivos, homens e mulheres. Enfim, é como se a violência e perseguição fosse institucionalizada ao longo da história da humanidade, e assim continuou. Ainda nos anos 1960, apenas 50 anos atrás, a homoafetividade era ilegal em todos os estados dos Estados Unidos! Aqui no Brasil não era diferente, apenas não estava explicitamente escrito no papel. Mas, você sabe, onde há violência, há resistência. E foi justamente nos Estados Unidos que essa resistência conseguiu se organizar e espalhar pelo mundo essa força.
O dia 28 de junho de 1969 entrou para a história como a Rebelião de Stonewall. O Stonewall Inn era um bar em Greenwich Village, New York, onde se reuniam gays artistas e toda a sorte de figuras que não se encaixavam nos padrões “normais” da sociedade. Bares como o Stonewall eram considerados pontos de prostituição, consumo de drogas e de muitas outras atividades ilegais. Em New York muitos deles eram gerenciados pela Cosa Nostra, a legendária máfia italiana. Por isso, a polícia tinha motivos de sobra para dar batidas, muitas vezes abusando da violência, nesses bares. Mas na noite daquele 28 de junho, as coisas saíram de controle em Stonewall e os frequentadores do bar resistiram e enfrentaram a polícia. Depois disso, dois grupos foram criados e deram voz ao movimento LGBT: o Gay Liberation Front (GLF) e o Gay Activists Alliance (GAA). Ainda que contassem com mulheres lésbicas, esses grupos eram essencialmente masculinos. Nessa época o movimento feminista já dava as caras e acabou dando voz também às lésbicas, ajudando a reforçar as lutas LGBT. As ideias desses grupos chegaram ao Brasil no início dos anos 1970, em plena ditadura militar. Inspiraram jovens a organizar seus próprios grupos, que passaram a agir produzindo publicações independentes que eram distribuídas ao público. Eram jornais pequenos, como o Lampião da Esquina e o ChanaconChana.
E os anos 1980 chegaram com tudo! Tempo de muitos excessos, discotecque, cocaína e Guerra Fria! Em contraponto aos exageros festivos, os grupos cada vez mais organizados e politizados dos gays começavam a ganhar voz perante a sociedade e tudo parecia melhorar. Mas aí veio a AIDS. Além de matar muita gente entre a comunidade gay, a epidemia do HIV manchou os movimentos, que tiveram que se reposicionar diante de uma sociedade que os acusava de serem portadores da doença, que era chamada por muitos de câncer gay. Ainda hoje em dia a comunidade homossexual sofre com esse estigma, uma marca injusta e vil que vem sendo combatida desde então.
Foi por conta da resistência de Stonewall que o dia 28 de junho ficou marcado como o Dia Mundial do Orgulho Gay. Desde então acontecem manifestações e passeatas em toda parte do mundo durante o mês de junho. Aqui no Brasil, a Parada Gay na avenida Paulista, em São Paulo, já se tornou um dos eventos mais aguardados do ano e entrou no calendário anual da cidade. Com jeitão de festa, muitas cores, música e alegria, a Parada Gay vem mostrar todo ano que a diversidade e o respeito andam lado a lado. Assim como movimentos antirracistas e feministas, o movimento LGBTQI+ luta por uma condição muito básica: igualdade. Os gays, em geral, não querem impor suas escolhas a ninguém, só querem ser vistos e tratados pela sociedade como cidadãos comuns, que trabalham e pagam impostos como qualquer homem ou mulher heterossexual.
Os gays tem muito a ensinar para essa sociedade retrógrada, preconceituosa, heterossexual moralista que domina o mundo. Não é à toa que o dia 28 de junho é o Dia do Orgulho Gay. É porque, quem se aceita como realmente é, com seus defeitos e virtudes, acaba tendo orgulho de si. E, para conseguir isso, você precisa olhar pra dentro, se entender consigo. E isso é bem mais difícil do que parece.
Quem sabe você não aproveita este dia 28 de junho para pensar sobre sua essência e se aceitar um pouquinho mais. Assim, vai ser natural que você também aceite os outros como eles são.
HOJE EU RECOMENDO
Filme: Milk – A Voz da Igualdade
Direção: Gus Van Sant
Ano de lançamento: 2008
Um filme excelente que mostra a trajetória do primeiro político homossexual assumido a ser eleito nos Estados Unidos, com o Sean Penn no papel principal. Filmaço!