O médico Delfinus Nunes de Almeida, mais conhecido como Dr. Nunes, é um prescritor da cannabis credenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Com ótimos resultados e sem efeitos colaterais, a medicina canábica avança, no Brasil, a passos lentos, bem diferente da realidade que se apresenta em outros países.
O Caderno Saúde teve uma longa conversa com Dr. Nunes, que fez uma ampla explanação sobre o assunto, a qual dividimos em quatro artigos, publicados semanalmente no Caderno Saúde. A segunda fala trata sobre a diferença da cannabis medicinal e aquela que é adquirida através do tráfico. Confira:
Quando falamos em cannabis medicinal, ela nada tem a ver com a maconha do tráfico. A gente sabe que tudo o que se proíbe continua sendo usado, mas de forma ilegal. Foi o que aconteceu com a cannabis depois da Lei das Drogas (11.343/2006). A planta foi sendo cruzada, gerando espécies híbridas com alto teor de THC (Tetrahidrocanabinol), principal substância psicoativa da planta.
Em altas doses, o THC é muito maléfico para cérebros jovens. Pessoas que começam a usar a maconha fumada desde novos terão alterações de comportamento, psicoses e vão desenvolver, sim, dependência química pelo uso excessivo do psicoativo.
A cannabis, quando ativada por combustão, ou seja, quando se queima a folha ou qualquer outra parte da planta – já que a gente nunca sabe o que compra do tráfico –, produz uma descarboxilação, liberando alto teor de THC. Isso produz um efeito alucinógeno psicoativo. Por isso, a gente diz que maconha é para cérebros maduros, porque os jovens não reagem bem à substância.
Na cannabis fumada também há o canabidiol (CBD) que, junto ao THC, acaba aliviando as dores, relaxando, aumentando a qualidade do sono de pessoas mais velhas.
É importante dizer que nós, médicos, não prescrevemos e nem recomendamos a maconha fumada. Estamos falando de um tratamento alopático, de medicina natural e tradicional, pela qual você vai utilizar a planta por outras vias, seja através de gotas via oral, sublingual (através da absorção da mucosa, que tem efeito mais rápido), uso tópico ou mesmo a inalação por spray ou vaporização com o cozimento da flor, que também é muito eficaz. Já existem também muitos lugares que utilizam a cannabis via transretal com ótimos resultados. Já a via pulmonar, fumada, não é recomendada e não é medicinal.
A medicina canábica se trata de uma terapia milenar, que ficou esquecida no tempo, e que tem substâncias muito eficazes quando utilizadas pela via correta.
Não queremos estimular, de forma nenhuma, o uso recreativo, não é terapêutico e traz risco e dependência com seu uso excessivo. Não sabemos o que existe no produto adquirido com tráfico, que é ilegal e são plantas hibridas, com liberação de THC muito acima do recomendado para o organismo.
Hoje, o que se utiliza na medicina canábica é um óleo rico em CBD (canabidiol), de preferência que seja integral, ou seja, que possua também os outros canabinóides, perpenos e flavonoides que, dependendo da patologia a ser tratada, a associação com THC, que vão produzir um sinergismo, potencializando o efeito do CBD em até 10 vezes, com isso obtemos melhores resultados.
É interessante que o THC esteja em uma concentração um pouco maior para tratar dores crônicas, epilepsia, epilepsia refractária, esclerose e esclerose múltipla, câncer terminal, efeitos colaterais da quimio e radioterapias (há uma ótima melhora de náuseas, vômitos, dores).
Hoje já existem estudos e experiências que demonstram que mais de 250 patologias podem ser tratadas com cannabis, direta ou indiretamente, com muitos benefícios. O mais importante que as pessoas entendam que não são as doenças que são tratadas com essa terapia, e sim o indivíduo, com as suas particularidades. Quando um paciente chega a mim, vou olhar como é seu modo de vida, seus hábitos e o que ele busca com esse tratamento para sugerir o que podemos fazer de forma mais integral a esse paciente e o que ele pode melhorar em sua qualidade de vida.
É importante que fique bem claro que a cannabis medicinal não é para tudo e nem para todos. Muitas vezes as pessoas buscam a terapia, mas não há indicação, e não vou prescrever só porque a pessoa quer.
Na próxima semana vou falar sobre a minha experiência como médico prescritor, que acompanho vários pacientes, e tenho tratado transtornos de humor, dor crônica, mal de Parkinson, epilepsia refractária, autismo, paralisia cerebral, e como essa terapia melhorou a qualidade de vida desses pacientes.