Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
“Se eu chego você tá saindo, a gente ama odiando, mas não me deixe sozinho, me dá pão com veneno, jurando fidelidade, mas sua verdade não me engana, nesse termo de maldade, o mundo tá acabando, não vai sobrar quase nada, a nossa hora tá chegando e ainda fazem piada, apertando o cerco, você se desespera, não há remédio, você tá na terra;
que piração, eu tô na terra ou no céu, ninguém se entende, nessa Torre de Babel”. Ao se perder o bom senso e ainda mais, perder a noção da realidade vigente, podemos facilmente começar a acreditar que tudo é possível e para aqueles que não podem fazer as coisas do meu jeito, a estes está reservada a piração como belamente canta a banda brasileira Barão Vermelho; nossas pirações cotidianas ao que parece tem encontrado terreno fértil diante da desgraça viral latente, muitos nem se quer sabem o que realmente estamos enfrentando.
Não deixa de ser curioso que a contradição se faça presente em todos os setores hoje, especialmente quando de um lado se nega o básico do básico para a maioria das pessoas, por outro não existe limites para se gastar digamos assim com as futilidades efêmeras, exemplos nesse campo poderiam encher muitas páginas, a grande maioria das pessoas vivendo as suas vidas de uma forma não plena, não realizada; os olhares das pessoas nas longas filas de vacinação nos dão bem a sensação de que elas não possuem muitas ilusões com o futuro a não ser estarem vivas no dia de amanhã. Enquanto o mundo pega fogo em muitas regiões pelo mínimo necessário da sobrevivência, determinados espertos, ávidos da mania de ostentar um estilo de vida incompreensível, não convencional atualmente, nos dizem simplesmente que o que vale para eles, não vale nada para o resto.
Voltando ao campo das utopias, não sejamos tolos em acharmos que elas deixaram de existir, ao contrário diante de nós com ares de triunfo sem precedentes, determinado empresário preferiu não gastar nenhum centavo com a salvaguarda do Planeta em plena crise viral e também com o ser humano e sim achou melhor gastar uma pequena bagatela bilionária para dar uma voltinha rápida pelo espaço; isso nos lembra que entre os belos e inflamados discursos teóricos de pessoas assim quando são confrontados com a sua real essência, nos mostram que eles quase sempre querem dizer o contrário daquilo que eles realmente querem nos dizer. Mais uma vez fica provado de que justamente aqueles que mais nos passam a imagem de bem-sucedidos empreendedores e seus olhares arrogantes e irônicos, são aqueles que mais poluíram, aqueles que mais devastaram os bens naturais.
Mas quem atualmente em sã consciência quer defender o Planeta Terra, defender por defender? Melhor é se deleitar com as historietas de que há mundos melhores lá fora, não percebemos a nossa profunda contradição em admirar quem nem sequer conhecemos, que vive muito longe de nós, não faz nada por nós, quer pura e simplesmente que fiquemos na vala comum da mortalidade, não nos cansamos de aplaudir, de delirar, gritar, esbravejar se preciso for de que certas pessoas sem a mínima noção da decência têm mais deferência do que aqueles que estão pertos de nós. No mundo cruel viral que se nos apresenta, a impressão que muitos tem notado é que aprendemos quase nada com o possível futuro que nos aguarda, o cansaço do momento revela-se assustador, não nos indignamos, não reagimos, nem ao menos tentamos sentir o que o outro sente, sem querer viramos zumbis.
Viajar no espaço, apenas para satisfazer mero capricho pode até ser uma aspiração legitima, não resta dúvidas, mas diante do momento, isso nos mostra que algo perturbador nos assombra, perguntas que não são feitas, a não ser em nossas mentes individuais: o que essa viagem rapidíssima e dispendiosa ao extremo quer nos dizer? Que num futuro, a maioria esmagadora de desafortunados terá apenas como direito tentar sobreviver num mundo onde a sujeira, a poluição, a degradação, a morte de tantas vidas inocentes serão uma imagem corriqueira e os afortunados que para lá foram, olharão para cá com as suas feições de espanto mal disfarçado, cegueira intencionalmente fabricada, por outras palavras, estarão elas carregadas daquele desdém com que nos habituamos a conviver; estamos sendo testemunhas de uma mudança de paradigmas para o bem ou para o mal.
Bioeticamente, sempre aprendemos algo bom numa viagem, mas uma viagem que seja recheada de vida, nunca estivemos tão perto do espaço, como estamos tão distantes da nossa Terra, nunca estivemos tão perto de tocar o solo de um planeta qualquer, como estamos tão longe de enxergar todos os crimes cometidos seja contra os seres humanos, seja contra a natureza em geral, o meio ambiente como um todo, no fundo o ser humano é sempre esse ser insaciável de novidades, mas essas ao que parecem o tem cegado de tal maneira, que para ele poder sobreviver num mundo diferente deste que conhecemos ele vai depender de tudo aquilo que aqui se fizer. Sem os freios necessários como nos lembra o filósofo de Mönchengladbach, Hans Jonas, a espécie humana e extra-humana terão pouca ou nenhuma chance de repetir a vida em sua plenitude; viajar para o espaço enquanto aqui nesse belo Planeta temos sido testemunhas de constantes ataques de todos os lados, é no mínimo uma arrogância desmedida à qual os antigos gregos condenavam.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR