Estamos todos nesse momento, boquiabertos e estarrecidos, muitos estão com medo, outro tanto está com os nervos em frangalhos, enfim a multidão que é o querido povo brasileiro, sofre um terrível golpe provocado por enchentes severas no sempre amado estado do Rio Grande do Sul, onde quer que se vá, com quem quer que conversemos, o assunto desastre ambiental provoca muitas reações e muitos questionamentos. Não joguemos de modo infantil e simplório a culpa de tal desastre para Deus, Ele não tem culpa alguma nesse evento, paremos com tamanha hipocrisia acusando Deus de uma coisa que Ele é incapaz de cometer, pois para quem não sabe ainda, “Deus é Amor”, São João deixou isso escrito com maestria; em meio a tanta dor e sofrimento, Deus se tem feito presente nas milhões de doações, nos milhares de voluntários dispostos a salvarem tudo e todos.
Um exame de consciência muito sério, caso fosse feito por cada um de nós revelaria muitos colapsos na sociedade atual, revelaria muitos fracassos na nossa condição humana como participes e como administradores da terra, se fôssemos coerentes conosco mesmos admitiríamos que onde colocamos as mãos praticamente tudo o que por nós foi tocado, virou cinza, transformou-se em lixo que agora nos é devolvido com exímia correção ambiental. Colapsos e fracassos sempre são por nós abafados e jogados para debaixo do tapete; a sociedade adora, ama e aplaude o sucesso, mas eis a ironia do destino, chegou-se a um ponto que isso não é mais possível fazer, as luzes se transformaram em nuvens densas e negras, trazendo consigo uma revolta sem precedentes na história do Brasil atual, tal evento climático trará ainda muitas consequências sequer nesse momento imaginadas.
Nos últimos decênios ficamos embriagados pelas nossas tantas conquistas, um mundo cada vez mais light, mais flexibilizado, mais senhor de si, sempre mais e mais, tudo se acelerando a velocidades extremas, perdemos assim o contato com a vida simples, com aquela realidade cercada de brincadeiras, jogos e amizade profunda, quando crianças a vida nos parecia bela e sem preocupação, lembramos com frequência que as quatro estações do ano eram muito bem distribuídas, aquele tempo tinha dentro de si outra magia, outra alma, outro espírito; já o de agora é um completo desacoplamento, uma ruptura gigantesca, pois tudo pesa sobre nós, a pressão tanto nos humanos, quanto no meio ambiente, é absurda, nada nem ninguém resiste a esse modelo que não vê outra utilidade na vida, a não ser ganhar sempre mais, vencer sempre, destruir sempre, avançar sempre.
De tanto que avançamos, de tanto que criamos riquezas com a nossa razão unicamente instrumental, eis que tudo isso e muito mais, num piscar de olhos virou ruina, a água levando tudo e todos sem esforço algum, o que se levou décadas para ser construído ou adquirido, em poucos minutos virou montanhas de entulhos que nunca mais servirão para nada. O desastre climático do Rio Grande do Sul tem causas históricas profundas, isto é, ele não nasceu ontem, foi um longo processo humano no sentido de desmantelar o que a natureza criou; o pretenso desenvolvimento ilimitado deu asas a projetos faraônicos que nada tinham de ambientalmente saudáveis, mais uma vez fomos traídos pela nossa enorme soberba e cegueira, por outras palavras, fomos sim iludidos de que éramos imortais, mas acabamos por experimentar o mundo finito e o limite dos sonhos.
Bioeticamente, a tragédia do Rio Grande do Sul, talvez nunca mais sairá de nossas mentes, o cenário mostra claramente que nós humanos em termos de civilidade para com o meio ambiente, fomos imensamente mal educados e somos piores ainda no sentido de lidar com todo esse sofrimento, excetuando-se claro a imensa bondade do povo brasileiro em ajudar todas as vítimas dessa terrível enchente. Hoje pagamos um preço enorme e terrível por tantos erros cometidos lá no passado, especialmente no sentido de querer ocupar a força, terrenos que sempre foram de propriedade do meio ambiente. Hoje sabemos que tudo está ligado a absolutamente tudo e qualquer falha atinge o sistema todo, a guerra travada contra o meio ambiente está produzindo uma onda enorme de refugiados em sua própria pátria; sejamos mais atentos e menos crentes no desenvolvimento ilimitado.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com
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