Batatas fritas sequinhas e crocantes com o mínimo de óleo. Essa ideia, que soa como música para os ouvidos de quem deseja combinar o prazer de comer com uma vida saudável, impulsionou as vendas de airfryer nos últimos 15 anos, desde que a Philips Walita trouxe o equipamento para o Brasil. Ao longo dos anos, a fritadeira elétrica se consolidou no mercado e tornou-se mais acessível ao grande público – hoje é possível encontrar airfryers de diversas marcas, custando cerca de R$ 350.
Muito além das batatas fritas, o equipamento esbanja versatilidade na cozinha e está a serviço do habilidoso cozinheiro doméstico, que faz de pão de queijo a peças de carne, além dos que recorrem à ela para ressuscitar o delivery. Embora não seja novidade, tudo indica que o equipamento voltou ao topo das paradas. Segundo dados da consultoria especializada em pesquisa de mercado GfK, cerca de 4 milhões de airfryers foram vendidas no País só em 2020. “É a categoria que mais cresce em nosso portfólio e, em 2022, a previsão é que a airfryer ocupe o quarto lugar da categoria dos eletroportáteis mais vendidos pela Arno”, explica Raphael Benedetti, gerente de marketing do Groupe SEB, que reúne a Arno e marcas como a Rochedo.
As vendas foram impulsionadas por diversas razões, mas a principal delas é, sem dúvida, a pandemia. “Com a população dividindo o tempo entre as tarefas domésticas e o home office, o auxílio de equipamentos que trouxessem praticidade e ganho de tempo foi fundamental. É nesse contexto que as airfryers se encaixam”, afirma Giovanni M. Cardoso, CEO da Mondial. Outro aspecto que desperta atenção no equipamento é que ele promete o preparo de frituras com o mínimo de óleo – o paraíso para os adeptos de uma vida saudável. “Além das pessoas estarem mais em casa e cozinhando ainda mais, também estão com um olhar mais atento para a saúde e para uma alimentação mais balanceada”, explica Thaiane Cortez, gerente de marketing da Philips Walita.
Embora o equipamento seja conhecido como fritadeira elétrica, o seu funcionamento se assemelha mais ao de um forno convencional. É composto de uma resistência elétrica e de uma hélice, que é responsável por criar uma corrente de ar que vai cozinhar os alimentos. “Para compreender o funcionamento de uma airfryer, imagine um chuveiro elétrico. Só que, em vez de água, é o ar que passa pela resistência”, explica o professor de Engenharia Mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia, João de Sá Brasil Lima. Depois de aquecido, o ar circula pela cestinha da airfryer e volta para a resistência, onde é reaquecido. Esse ciclo é contínuo.
O sucesso do equipamento é tanto que, de uns tempos para cá, as embalagens de diversos congelados já vêm com as instruções de preparo também para a fritadeira sem óleo. Quando a empresa mineira Nuu Alimentos lançou o seu pão de queijo há cinco anos, não havia essas informações nos rótulos. “Começamos a receber muitas mensagens pelas redes sociais perguntando como se preparava o nosso pão de queijo na airfryer. Essa demanda fez com que não só incluíssemos essas informações como também começássemos a desenvolver produtos para o equipamento”, afirma a CEO da Nuu Alimentos, Rafaela Gontijo. Assim surgiram os palitinhos de tapioca, à base de queijo artesanal mineiro e, em agosto, está previsto o lançamento da pizza com massa de pão de queijo e coberturas como linguicinha defumada com queijo curado, doce de leite e frango defumado com requeijão de barra. “Diferentemente do pão de queijo, essa massa da pizza já é assada e o tamanho foi pensado para caber na airfryer”, explica Rafaela.
Airfyer x cozinha clássica
A convite do Paladar, o professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi Marcelo Bergamo testou a airfryer. À primeira vista, ele, que dá aulas de cozinha europeia, não estava com tanta expectativa. “A gente pode até tentar, mas não tenho como garantir os resultados”, alertou. As receitas escolhidas por Bergamo fogem dos clássicos de airfryer, já que a ideia é testar a potencialidade do equipamento. Logo de primeira, uma boa surpresa: a focaccia, que foi acomodada em uma forminha de aço redonda antes de ir para o cesto, resceu e saiu da airfryer dourada, com textura macia, como se tivesse sido assada no forno. “O ideal é começar com uma temperatura menor e subir nos minutos finais, para que a massa não doure antes de assar”, alerta Bergamo. Outro teste foi o gnocchi alla romana, com massa de semolina gratinada com manteiga e queijo pecorino. “Ficou perfeito. Como o ar quente vem da parte superior do equipamento, é bem útil para preparar gratinados”, observa.
Porém, as receitas que originalmente são fritas em óleo não tiveram o mesmo resultado. O malai kofta, que consiste em um bolinho indiano à base de queijo servido sobre um molho cremoso e apimentado de tomate, especiarias, creme de leite e manjericão, “embora, na aparência dourada, tenha ficado muito parecido com o original, a textura ficou muito diferente. Não ficou ruim, mas ficou parecendo um pão de queijo”, observa Bergamo. Já o beignet, receita francesa à base de algo (neste caso, couve-flor) que é passado em uma massa cremosa e despejada em colheradas no óleo quente, funcionou bem. A massa foi acomodada em forminhas de empada untadas com azeite. Depois, mais azeite por cima. “Os beignets ficaram praticamente iguais aos fritos, mas acredito que a quantidade de azeite tenha contribuído com esse resultado”, explica o professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi.
O bife de chorizo, talvez, tenha sido o maior desafio do teste. “A técnica de selar em uma frigideira em fogo alto, com um pouco de gordura, cria uma barreira que ajuda a manter os líquidos dentro da carne, para deixá-la suculenta. É difícil reproduzir isso dentro de uma airfryer”, observa Bergamo. Para suprir a ausência de uma crosta dourada, surgiu a ideia de empanar o bife de chorizo em uma crosta de pão, ervas, alho, parmesão e (bastante!) manteiga e azeite. Depois de 10 minutos em temperatura máxima, o resultado foi uma carne mal passada e suculenta, envolvida em crosta dourada de pão. “Só tem que apertar bem a crosta de pão, para que ela não se desfaça dentro da airfryer”, orienta ele.
Veredicto
A airfryer é um bom equipamento para se ter em uma cozinha doméstica. “Para um cozinheiro profissional, é muito complicado usar um equipamento desses porque, diferentemente de uma panela ou um forno, você não tem controle do processo. Mas, sabendo usar, pode ser uma boa alternativa para uma cozinha doméstica”, afirma o professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Pré-aquecer a airfryer, usar recipientes que caibam no cesto e permitam a passagem de ar, além de usar gorduras como azeite e manteiga nas preparações são algumas dicas de Bergamo para utilizar o equipamento.
Em casa, o chef Cristian Bauer, do Era uma vez um Chalezinho, gosta muito de usar o equipamento para o preparo de carnes como pancetta e frango com pele. “Por conta da gordura, esse tipo de carne fica super suculenta”, explica ele. Já no restaurante especializado em fondues, é inviável. “Eu gostaria de finalizar os churros servidos com o fondue de doce de leite na airfryer, mas eu precisaria de um equipamento muito maior para dar conta da demanda do restaurante. O jeito é aguardar pelas novas tecnologias”, diz Bauer.
Embora não seja um equipamento pensado para uma cozinha profissional, o chef Raphael Despirite acredita que a airfryer pode ser de grande utilidade para um restaurante. “Por conta do ar quente e seco, a airfryer é uma ótima desidratadora. Se for para um preparo de um elemento de finalização em menor quantidade, por exemplo, pode ser uma boa alternativa”, explica ele, que costuma fazer chips de legumes e couve kale crocante em casa. Despirite chegou a fazer um confit de pato, clássico francês em que a ave é cozida dentro de sua própria gordura, na airfryer. “Diferentemente do forno ou do fogão, a airfryer mantém uma temperatura mais baixa e constante, o que é ótimo para esses preparos mais longos”, explica ele.
Sabendo usar, airfyer é ótima pedida
Se há um equipamento de cozinha que estava em último na minha lista de desejos era a airfryer. Nunca me interessei por ela. Primeiro pelo seu tamanho robusto, que ocupa uma boa parte da pia da minha bancada, depois pela falta de perspectivas: a minha simpatia por batata frita não chegava ao ponto de comprar um equipamento só para isso. Mas tudo mudou quando uma amiga me deu uma airfryer de presente em plena pandemia. Admito que levei umas semanas para tirá-la da caixa, mas acabei incluindo o equipamento no meu dia a dia. No entanto, o preparo era basicamente linguiças e ressuscitar batatas fritas e sanduíches que chegavam do delivery. A batatinha eu até tentei, mas mirei nas fritas e acertei em uma combinação de batata crua e purê – desastre total.
Ao ser encarregada por essa matéria, em um esforço de reportagem (sempre quis dizer isso!), eu resolvi colocar a minha airfryer para jogo. Decidi testar uma série de preparos simples, que as minhas habilidades de cozinheira amadora me permitem. Mas antes de qualquer coisa, eu reli o manual de instruções para conferir os tempos e temperaturas necessárias para os mais diversos preparos, desde batatas fritas até um frango inteiro – essa regra vale ouro. Isso já é um bom norte para começar. Depois, comecei a pensar nos preparos que faria.
Sem dúvida, eu não podia testar a sensação do momento do Tik Tok, que é a pasta chips (sim amigos, a baked feta pasta ficou para trás). A receita consiste em uma massa grano duro cozida “al dente” e escorrida, temperada com sal, especiarias como páprica, azeite e queijo parmesão ralado. Eu usei o penne rigate, que tem umas ranhuras nas quais o queijo parmesão se agarrou com perfeição, depois de 10 minutos de airfryer a 200°C. O resultado? Um snack crocante, que combina com qualquer tipo de molhinho – para comer aos montes assistindo televisão.
Já as batatas fritas foram um pouquinho mais complexas de acertar. Comprei batata asterix, de casca rosada, que é ótima para fritura. E, conforme orientações do manual de instruções, cortei a batata em palitos e deixei-os de molho por 30 minutos. Depois, sequei bem e dividi em duas porções. A primeira eu temperei com sal, pimenta-do-reino e azeite; já na segunda leva eu testei um truque que havia visto no manual de uma outra airfryer: acrescentei 1 colher (chá) de amido de milho nas batatas.
A primeira leva até que ficou bem aceitável: crocante nas pontas e macia no meio. Não se compara com uma batata frita por imersão, mas – dadas as devidas proporções – até que a versão da airfryer substitui muito bem. Já a versão com amido de milho…o truque funciona! As batatas ficaram mais douradas e crocantes – adotarei para a vida. Para o teste, eu também comprei batata frita congelada. Como se tratam de batatas pré-fritas, a história de economizar calorias cai por terra. As batatas ficam douradas e crocantes por fora, mas é aquele crocante de ressecadas. Neste caso, as batatas in natura se saíram melhor.
Depois, foi a vez de explorar o potencial da airfryer como forno. Comecei pelo pão de queijo congelado. Na hora do lanche da tarde, eu coloquei-os no cesto, liguei em temperatura máxima (200°C) por 10 minutos. Enquanto terminava de coar o café, eu ouvi um “plin”. Vale ressaltar que, no meio do tempo, eu abri o cesto e virei os pães de queijo, para que ficassem assados por igual. O resultado ficou perfeito! Macio por dentro, dourado por fora. Em outro momento, eu testei dadinhos de tapioca congelados. Até que ficaram bons, mas a cor não fica tão uniforme se você não for virando todas as faces do dadinho de tapioca – quem tem tempo para isso?
Mas a prova de fogo mesmo foi o preparo do bolo. Admito que foi o que me deixou mais apreensiva. Afinal, não havia nenhuma indicação de tempo ou temperatura no manual de instruções. Sem contar que o ato de abrir o cesto no meio do processo poderia deixá-lo solado. Por isso, eu escolhi fazer esse teste com um pound cake, um bolo inglês amanteigado e mais compacto. A chance dele cair seria bem menor do que um pão de ló. Coloquei a massa em uma pequena forma de buraco no meio e levei para a airfryer. Calculei 20 minutos a 180°C, mas, em 15 comecei a sentir um leve cheiro de queimado e me preocupei: o bolo começou a dourar demais na parte superior. Não ficou tão belo na aparência, mas quando deixei esfriar e parti um pedaço veio a surpresa: o bolo ficou macio, como se tivesse saído do forno! Não ficou com uma cor tão bonita, mas super aceitável para um lanche da tarde.
Com isso, eu posso dizer que me rendi à airfryer de vez. Trata-se de um equipamento bem versátil, que substitui muito bem o forno convencional e até quebra um galho, sendo bem generosa, como fritadeira. Sabendo usar, é possível preparar receitas incríveis com ela. A única desvantagem mesmo está no tamanho: a airfryer é ótima para quem vive sozinho ou com mais alguém, mas para uma família grande não é um bom investimento. Lembra das batatas fritas? É preciso prepará-las aos poucos, já que o cesto não pode estar abarrotado para permitir a circulação de ar e cada leva fica pronta em 20 minutos. Imagina fazer isso numa noite de hambúrguer para a família? Nesse caso, é melhor pedir batatas fritas delivery e reanimá-las com a airfryer.
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