A Campanha da Fraternidade de 2023, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tem como tema uma dura realidade que vem mostrando seu rosto cruel nos últimos anos em nosso país e também no restante do Planeta, trata-se da fome, algo que sempre esteve presente em todas as civilizações, a história nos conta muito sobre tal situação, os textos sagrados também não fogem dessa temática, quem possuindo um conhecimento mínimo da Palavra de Deus, vai encontrar facilmente a fome sendo retratada em diversas ocasiões, atingindo todos os seres vivos, ou seja, humanos e extra-humanos. A fome tem causas variadas, a principal talvez seja mesmo a ação humana, seja no campo do meio ambiente, seja no campo social, político, religioso e bélico. Sendo o ser humano o principal artífice dessa barbárie, nele também está a solução para esse drama quase global.
A fome quando aparece, ela nunca vem sozinha, traz consigo uma série enorme de mazelas que foram sendo produzidas no tempo e no espaço, como resultado nos últimos anos aumentou em muito aqueles que não possuem condições de conseguir alimentos bons e saudáveis; não raro encontramos pessoas revirando lixos para encontrarem alguma sobra para matarem ao menos momentaneamente a fome. O fato de vermos uma pessoa revirando entulhos em busca de comida, deveria causar em nós uma séria indagação de como anda a nossa relação com os alimentos, ou seja, temos fartura, esbanjamos, nos empanturramos até não poder mais, reaproveitamos o que sobra, doamos para os mais vulneráveis? Ou simplesmente damos de ombro e deixamos a vida nos levar, fingindo assim que o problema não existe ou não é conosco? Vivemos para comer ou comemos para viver?
Hoje existem muitos tipos comidas, isso é inegável, mas nem todas são comidas de verdade, na era do tudo é mais fácil, rápido e prático, abundam sim aquelas comidas carregadas de produtos industrializados, produtos que quando usados em excesso podem causar sérios transtornos em quem os consome; no cenário brasileiro pululam aos milhares as propagandas recheadas de boas intenções no tocante à alimentação processada a exaustão, mas elas de modo quase pueril mal escondem todas as suas ameaças que podem afetar os seres humanos, esses sim meros consumidores passivos. A falta de limites para se alimentar em alguns círculos, é justamente aquilo que falta na maioria dos lares brasileiros; ao lado do mercado da abundância, mas nem por isso o mais saudável, está também o mercado da fome, esse sim o grande promotor de exclusão, solidão, vazio, medo.
Vivemos um grande paradoxo na contemporaneidade, ou seja, de um lado há um desenvolvimento vertiginoso na área agrícola, como novas sementes, novos implementos, uma parafernália sem fim de instrumentos que “procuram” ajudar quem trabalha com a terra, mas o contrário também é verdadeiro, isto é, de que mesmo tendo a seu dispor o que há de mais moderno em termos de máquinas e demais instrumentos (agricultura de precisão), quem lida com a terra sabe ou deveria saber que o tempo e o clima são fatores essenciais para uma boa produção, além do que, quem cultiva a terra ao se ver embriagado por tantas tecnologias, perdeu aquela relação íntima que nossos antepassados tinham com a terra, está se tornando comum áreas antes extremamente produtivas, hoje são desertos irrecuperáveis, tamanha a degradação perpetrada pelos seres humanos nos últimos anos.
Alargando nossa visão, notaremos que não só os humanos sentem fome, ou seja, tudo ao nosso redor sofre de fome, em especial nosso meio ambiente está faminto há tempos, nossos rios antes tão majestosos, em muitos lugares hoje não são nem sombra do que foram tempos atrás, secas extremas deterioram o solo, os seres vivos que nele estão, mais cedo ou mais tarde também morrem de fome, o mesmo diga-se dos oceanos e sua alta taxa de concentração de plásticos e outros materiais ofensivos à vida marinha, tudo isso pode matar. As florestas também estão morrendo de fome, em outras palavras, os humanos a atacam impiedosamente, retiram delas o que há de melhor, incendeiam imensas áreas achando que isso trará progressos, quando acontecerá justamente o contrário; sim os seres humanos tornaram-se os mestres e gostam de praticar bem o exercício da fome.
Bioeticamente, a fome em suas várias frentes são um problema global, diz respeito a todos, tristemente a fome tornou-se uma arma poderosa nas mãos de especuladores inescrupulosos que pensam apenas em seus bolsos e a curtíssimo prazo, não levam em conta que as diferentes fomes hoje podem acarretar em muito o custo de vida das famílias, a fome também tem o poder de aumentar cada vez mais os já constantes desastres naturais extremos, a fome também traz consigo o drama das migrações populacionais, o que acaba levando a outras crises tais como as de rivalidades étnicas e econômicas. O Brasil precisa dar maior importância à questão da fome em todos os setores, sabemos que nossa nação é muito desigual e a fome não se vence com discursos inflamados ou varinhas mágicas; somente uma reforma profunda em nosso modo de agir e pensar trará alento e esperança para as gerações futuras; nem tudo está perdido, pensemos e agradeçamos a tantas pessoas que estão fazendo já muitas coisas para o término dessa infâmia chamada fome.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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