Com a trama situada nesse mundo da moda, mas mais do que isso, nos bastidores dele, o folhetim de Walcyr Carrasco, vencedor do Emmy, volta ao ar nesta terça, 24, na Globo, mas também está no Globoplay, e assim prepara o terreno para a chegada da nova temporada, em fase de gravação. Sobre a reprise de Verdades, sua trajetória artística e perdas como a de Tarcísio Meira, o ator conversou com o Estadão.
Como foi saber que viveria um personagem como Alex?
É uma história bem escrita, os personagens estão muito bem delineados. Cada um é o que é, isso são características de uma boa obra. Quando o Maurinho (diretor Mauro Mendonça Filho) me falou: “olha, você está vindo de uma série de heróis, não tenha medo de ser vilão e não tenha medo do ódio do público. Mergulhe de cabeça”, respondi, vamos nessa, e assim foi.
Como foi sua preparação para viver esse personagem?
Nós nos preparamos com o (Sergio) Penna e ficamos dois meses, quase todos os dias, o dia inteiro, construindo o que seria aquela família com uma série de disfunções. Deu tempo de delinear bem as características de cada um.
E seu vilão conquistou o público, como analisa isso?
Para que um vilão aconteça, o público tem que se identificar com ele também, não é só com o herói, ou a história não fica crível. A partir do momento em que um personagem que te dá os motivos para ser um vilão, ele até revela um poder de sedução sobre a plateia. Talvez o maior exemplo disso recentemente seja o filme do Joker/ Coringa. Ele não é o vilão como o de desenhos animados, não, e o problema dele está aparente para que a gente o entenda e fale: “pelo amor de Deus, olha o que ele vai fazer”, e ele vai lá e faz. Esse é um vilão que você entende a característica dele, sabe o que vai fazer e ele não tem medo e não vai titubear, ele vai lá e faz, até ser impedido pelo herói. É assim que se conta uma historinha. Eu acho que a gente fez isso de uma maneira que soube dividir bem com o público, tinha muita gente torcendo por aquele casal.
Como analisa o Alex?
No desenrolar da história, ele se apresenta como um homem solitário, que venceu na vida sozinho, construiu uma família de uma maneira torta e conseguiu chegar onde chegou de uma maneira bruta (não foram só alegrias) e passou por cima de muita gente. Ele foi quase um Ricardo III, que, aliás, foi em quem eu me baseei para montar parte desse personagem, parte dele. Então, ele, uma pessoa desse tipo, só poderia se relacionar com mulheres com certas características, e terá filhos, que serão tratados dessa maneira. Isso fica bem aparente para poder construir essa família disfuncional.
Alguma cena foi mais complicada ou marcante?
O grau de complexidade de uma cena simples é muito maior do que de uma complicada. Às vezes, uma cena de café da manhã é muito mais complicada de se fazer do que a morte de um personagem. Quando você tem de brigar, dar um tapa, já está tudo ali, você não precisa quase nem falar. Agora como é que você vai deixar claras as características dos personagens, que eram bem conflitantes, numa cena de café da manhã? Era complicado, demorava pra gente chegar no tom, para acertar no ensaio. Essas cenas com mais informações, no primeiro ensaio já estavam resolvidas. Essas mais simples, que carregam a maior parte da série, na verdade são as que vão montando a pirâmide para chegar no cume daquela situação. Essas são as cenas mais complicadas e mais delicadas.
Essa foi uma novela ousada?
A tendência de uma novela desse horário é sempre ser ousada – mas eu não diria ousada, eu diria necessária. Estava na hora de se fazer uma obra que tocasse num assunto do qual as pessoas conheciam, mas não conversavam à mesa – não era assunto, o que era quase já entendido pela sociedade. E a gente trouxe luz a esse problema e as pessoas começaram a pensar realmente sobre isso.
O Alex marcou sua carreira?
Ele tem um lugar muito especial, veio num momento importante do Rodrigo como pessoa e como ator, e veio com uma equipe que fez com que eu pudesse realizá-lo daquela maneira. Eu acho que pude dar o meu melhor ali, porque eu tinha diretores incríveis e um autor que escreveu muito bem a obra e a entregou para gente completa, o torna mais fácil para se trabalhar. Dali, tivemos gênios como a Drica (Moraes) e saíram gênios como Gabriel Leone, por exemplo.
Como eram os bastidores, era difícil o distanciamento?
A gente era muito alegre, mas invariavelmente, em alguns dias, a tensão era tanta que a carregávamos aquilo por um tempo. Era naqueles momentos que a gente entendia o silêncio das pessoas ou a reclusão de um ator, ou o meu mesmo. Muitas vezes, eu saía do estúdio e, antes de ir para casa, ficava descarregando a tensão por uma hora dentro do meu carro para não levar aquilo para a minha casa. Minha mulher não precisa, nem meu filho, dessa energia. Saber descarregar também é importante, tem pessoas que conseguem isso de uma maneira mais fácil – eu às vezes consigo, mas esse foi particularmente difícil em alguns momentos.
Como foi viver Guimarães Rosa na série Anjo de Hamburgo?
Acho que poder pesquisar sobre a vida dele, não sobre a obra, talvez tenha sido o maior presente que recebi dessa obra, porque muito pouco se sabe sobre Guimarães Rosa; então, fomos atrás de pessoas que o conheceram ou tiveram contato com ele no consulado. Fiquei com a essência desse homem e com o que entendi que era a proposta dele como pessoa. Mas os maneirismos, a prosódia, o corpo talvez não foram a minha proposta. Acho que é importante deixar isso claro, pois o que encontramos de vídeo dele é um material muito pequeno, muito pobre para se montar um personagem, chegar numa construção perfeita do que ele foi na realidade. Também estou no filme Grande Sertão: Veredas, talvez sua maior obra, direção de Guel Arraes e roteiro de Jorge Furtado.
Quem foi Tarcísio Meira para você?
Tarcísio era quase um adjetivo. As pessoas não falavam que um cara era bonito, falavam: nossa aquele cara é um Tarcísio Meira. Tarcísio foi um cara incrível e tive o prazer de conhecê-lo na minha primeira novela, Bang Bang. Depois, veio a contracenar comigo em Velho Chico. Só Tarcísio podia fazer o que ele fazia, só ele era capaz de fazer. A grandiloquência que ele tinha, altamente técnico e emocional, e emocionante. Tarcísio é uma escola e ele conseguiu algo que poucos conseguiram ou conseguirão, que é alcançar uma maneira de se eternizar. A gente só se eterniza na memória das pessoas, essa é a única maneira da gente não morrer. Tarcísio conseguiu isso. É nesse lugar que coloco Tarcísio.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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