Mais uma vez os nossos olhares, mentes, corações, “patriotismo” se voltam para um evento que aparentemente pertence à cultura popular, mas que na realidade se transformou num produto altamente lucrativo, nebuloso e de muita ostentação; o futebol mundial a cada quatro anos tem uma magia de praticamente parar o mundo; nosso querido Brasil também fará parte do torneio, torcemos muito para que tudo de certo à nossa seleção; bem lá no fundo todos sabemos o que ela já aprontou com seus torcedores, ou seja, ela nos deu o que tem de melhor, que é ganhar a copa do mundo, assim como ela foi capaz de grandes vexames, o pior deles em 2014. Grandes astros, que tem a seus pés o que há de melhor no mundo da medicina, no mundo alimentício e no mundo do vestuário; avisemos nossas crianças, as mais entusiasmadas, pois o Brasil em torneios assim é uma caixa de surpresas.
O país escolhido para sediar a copa do mundo de 2022 não é uma unanimidade entre a população, sobre ele pairam muitas dúvidas sobre como ele de fato trata o ser humano em suas dependências, não são poucos os relatos de violações de direitos trabalhistas, jornadas exaustivas de trabalho, alojamentos precários para os trabalhadores, múltiplas violações de direitos humanos, sem contar os preços altamente abusivos que estão sendo praticados durante o evento, sem contar as muitas mortes de trabalhadores durante a construção dos estádios. Resumindo: o país sede da atual copa do mundo não quer em seu interior pessoas populares que adoram o futebol, tem ojeriza aos que são diferentes; essa não é uma copa para qualquer simples mortal estar lá ao vivo e a cores, é sim uma copa que nos faz perceber de modo inequívoco as muitas divergências existentes.
Não podemos esquecer também o grande evento que recém terminou no Egito, a chamada COP-27 e que diz respeito ao mundo inteiro, especialmente aos crentes e não crentes em relação às mudanças climáticas e seus efeitos, pelo que assistimos e lemos as negociações ainda não acabaram, é muito difícil um consenso entre as nações, pois esse evento assim como os passados implica numa reforma total de vida por nossa parte, nesse embate estão envolvidas muitas cosmovisões diferentes, umas mais poderosas do que as outras e o principal de tudo: trilhões de dólares envolvidos, cada país sabe que ao adotar uma postura alinhada com as diretrizes da COP lhe trará consequências ao longo do tempo e sendo assim praticamente todos eles saem de cena, colocam muitos entraves que no fundo todos nós sabemos quais são. Empurra-se então para a geração futura esse perigo.
Todos os “bons” integrantes da COP-27 revelaram uma face bem conhecida daquilo que se convencionou chamar de razão instrumental, todos ali sabem perfeitamente que o que ocorre hoje no Planeta é fruto de uma busca perversa por algo que talvez nunca venha a se concretizar, o ser humano usuário compulsivo dessa razão instrumental eliminou de diante de si todo e qualquer diálogo com o diferente, não viu a natureza como uma companheira de jornada, antes viu ela como uma inimiga mortal que precisava ser vencida e dominada; onde a razão instrumental colocou suas mãos o resultado foi simplesmente tenebroso, agora de tempos em tempos com roupagens e discursos diferentes os idealizadores dessa instrumentalidade se reúnem , posam bonitos diante das câmeras, discursam e vão embora, enquanto isso a natureza vai arquitetando pequenas vinganças.
Nosso querido Brasil se fez presente na COP-27 e se faz presente também na atual copa do mundo de futebol, dois espetáculos monumentais que ainda precisarão ser melhor avaliados a médio e longo prazo, por enquanto nossas esperanças são muito grandes, em relação ao futebol brasileiro todos sabemos do que o Brasil é capaz de fazer, isto é, ele já foi ao céu, mas também desceu ao inferno. Já em relação ao meio ambiente há muito para ser feito, começando pelo quintal de nossas casas, um projeto imenso na verdade, ao invés de tanta instrumentalidade, cada um a seu pode dar uma contribuição por menor que seja, esperar tudo de nossos dirigentes é algo utópico e irrealista. Assim como frequentemente nos engajamos em atos muito pequenos, bem que poderíamos girar a chave para um engajamento muito maior que é sim a salvaguarda do Planeta, da vida e dos nossos filhos.
Bioeticamente, o momento presente exige muita lucidez, coragem e audácia por parte de cada um, todos vivemos situações conflitantes dentro e fora de nós, o que acontece no mundo reflete imediatamente em nossas casas, em nosso trabalho, na convivência com os demais, o que mostra mais uma vez que tudo está ligado a tudo, não sejamos tolos de pensar o contrário, ou seja, de que eu sou uma ilha e nada me atinge, pensar e agir assim revela um infantilismo monstruoso e também perigoso. O fim de uma era chegou, mesmo que muitos não tenham se dado conta disso ainda, uma nova está apenas despontando, a instrumentalidade não resolveu tudo nesse mundo desde quando foi posta em prática a ferro e fogo, a razão muito menos, deu provas de que em muitas situações ela errou profundamente, deixando as pessoas desiludidas; nem mesmo a educação enciclopédica de Diderot nos tirou do atoleiro atual, ao contrário estamos apenas tateando nas muitas “informações”, então o nosso paraíso precisa ser redescoberto e muito melhor cuidado.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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