A origem da humanidade, o Afeganistão e o deus da Polinésia

(Paulo Argollo)

Lembra daquela esquete clássica do Porta dos Fundos, em que a mocinha morre e descobre que o único deus que existe é o de uma tribo na Polinésia? Então, eu penso nisso direto. Já pensou? A gente vive a vida toda seguindo determinados princípios, dogmas e crenças, pra chegar no fim e não ser nada disso! Viver em sociedade é um troço muito maluco porque, mesmo que você não tenha uma crença específica, em especial religiosa, acabamos tendo que agir sob muitos conceitos de tais crenças que se tornaram padrões sociais. Como sempre, eu gosto de usar a história, o passado, para tentar entender o presente. E sabe o que é mais louco? Se a gente quiser entender a evolução da vida humana em sociedade, precisamos nos voltar para um só lugar: o Afeganistão!

Sim, senhoras e senhores, o Afeganistão! Este país conturbado, imerso em conflitos e atualmente vivendo sob a batuta (pra não dizer metralhadora) de um grupo extremista que se baseia em dogmas religiosos ortodoxos, renegam a ciência e o pensamento cartesiano, oprimem mulheres…Enfim, tudo isso que você tem visto por aí.

Acontece que a região em que está o Afeganistão é onde se encontram os registros mais antigos de comunidades de humanos sedentários vivendo de agricultura, coisa de 7 mil anos atrás! Lá estão os sítios arqueológicos mais antigos da humanidade e ainda pouco explorados. Lá existem vestígios de cidades com mais de 5 mil anos! Por toda a história, aquela região foi palco de conquistas, invasões e muitas batalhas. Tanto que o Afeganistão é conhecido entre os historiadores como o Cemitério de Impérios.

Geograficamente, é uma região realmente única. Ao sul, as planícies que levam à Índia, com muitas riquezas naturais. A Oeste, às desérticas regiões do atual Irã. A Leste, às montanhas geladas da atual China. E, ao Norte, ao planalto do atual Cazaquistão, que leva até a Rússia.

É fácil entender porque os primeiros vestígios de civilização estão ali. Também é fácil entender que à medida que essas populações foram crescendo e migrando para diferentes pontos, o Afeganistão se tornasse um lugar de forte trânsito.

A principal cidade do Afeganistão antiga se chama Báctria, fundada há 4 mil anos. A população afegã da época, assim como ainda hoje, carregava muito da cultura iraniana, de povos persas e árabes. A região, inclusive, fazia parte do império Persa de Dario, o Grande. Em 330 a.C., Alexandre o Grande invadiu o Afeganistão, sob forte resistência dos povos locais. Décadas depois, a região viria a ser anexada ao império grego. Mas as fronteiras do Afeganistão obviamente não eram como as conhecemos hoje, e alguns pontos a sul e leste foram dominados por imperadores indianos. Vai vendo a mistura!

Tanto é que foi através do Afeganistão que o budismo saiu da Índia e foi levado para a China e se espalhou pela Ásia. Nos primeiros séculos da era cristã, a região passou pelas mãos de muitos, mas muitos mesmo, impérios diferentes, entre povos árabes, mongóis, eslavos. Principalmente porque se iniciava o lucrativo comércio da seda vindo da Ásia e que, inevitavelmente, passava por ali. Já ouviu falar da rota da seda? Então, era por ali.

Foi só em 1823 que foi oficialmente fundado o Emirado do Afeganistão. Tudo começou com um levante dos povos locais contra os persas em 1709 lutando por independência. No século XIX o Afeganistão era o sonho de consumo das duas grandes potências europeias: Rússia e Inglaterra. A Rússia dominava vastos territórios asiáticos e a Inglaterra dominava a Índia e queria expandir para o norte seus domínios. Depois de três tentativas frustradas de invadir o Afeganistão, a Inglaterra se deu por vencida e assinou um tratado que reconhecia o Afeganistão como país independente em 1919. Mas isso não é sinal de estabilidade. O Afeganistão é um país e regiões isoladas entre si por montanhas e vales. Por isso mesmo, muito difícil de ser governado e com muitas diferenças étnicas, culturais e religiosas. Mas, já na época da independência, o país já era majoritariamente islâmico. Boa parte das tribos afegãs se mantiveram fieis às tradições islâmicas, mantendo práticas cada vez menos em harmonia com o mundo moderno ocidental.

Na década de 1970 os russos invadiram o Afeganistão e instauraram um conflito interno entre soviéticos e as várias tribos afegãs, algo que durou até 1988, quando os intrusos foram expulsos e ascendeu ao poder a tribo mais radical do país: o Talibã. Por causa de seu governo totalitário, truculento e ancorado somente na religião, o país sempre viveu sob a tensão de violência.

Em 2001, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão procurando Osama Bin Laden e, de quebra, derrubaram o Talibã, que deixou o governo oficialmente, mas que continou foi atuante. Confrontos entre milícias e soldados norte-americanos nunca deixaram de acontecer.

Agora, os Estados Unidos cansaram e resolveram mandar seus soldados pra casa. E o Talibã está de volta, se dizendo repaginado e todo trabalhado na civilidade, mas desde que respeitando os dogmas do islamismo. Será que vai dar certo?

Conhecendo essa história toda, do início das civilizações e do surgimento do Afeganistão e do Talibã, a gente entende que a importância da pluralidade é imensa para a nossa sobrevivência enquanto sociedade. E isso implica aceitar e respeitar que o coleguinha do lado pense diferente e seja diferente. Todo mundo tem que ter o direito de acreditar e ser quem quiser. Porque, no fim, todo mundo vai acabar do mesmo jeito: descobrindo que o certo era acreditar no deus da tribo da Polinésia.

HOJE EU RECOMENDO
Disco: Curtis
Artista: Curtis Mayfield
Ano de lançamento: 1970
Simplesmente um disco genial e delicioso de se ouvir em qualquer situação. Um clássico absoluta da black music.

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