(Paulo Argollo)
Eu sempre digo que a história do Brasil é recheada de episódios inacreditáveis e empolgantes, repletos de conspirações, baralhas, traições e heroísmo. E é claro que não poderiam faltar também algumas histórias de amor. Muitos casais deixaram sua marca na história. Giuseppe e Anita Garibaldi, Luis Carlos Prestes e Olga Benário, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral… até mesmo Dom João VI e Carlota Joaquina foram um casal muito importante para nós, ainda que não se amassem de fato. Mas hoje eu quero falar sobre o primeiro casal brasileiro. A incrível história de Diogo Álvares e Paraguaçu.
O ano era 1508. O local é a atual cidade de Salvador, Bahia, um lugar na costa, próximo ao Farol da Barra, conhecido como Rio Vermelho, repleto de pedras. Em todo o recôncavo baiano vivia uma grande aldeia de índios Tupinambá. Alguns desses índio, certo dia, encontraram um homem muito ferido entre as pedras. O acolheram em sua aldeia. Era Diogo Álvares, um marujo português de 18 anos de idade que sobrevivera a um naufrágio que vitimou toda a tripulação, exceto ele. A origem deste navio é desconhecida até hoje, entretanto vários indícios levam a crer que era um navio francês. Afinal, entre 1500 e 1520 foi a época em que os franceses fizeram a festa, se entupindo de Pau Brasil. Portugal não deu muito bola para o Brasil, seu foco era o comércio das Índias (eu já te contei aqui a história do Binot Paulmier e de como os franceses ignoravam o Tratado de Tordesilhas e faziam comércio com os índios brasileiros).
Pois bem, Diogo Álvares era português, mas provavelmente navegava sob bandeira francesa, o que era ilegal. Por isso ele nunca revelou como chegara no Brasil. Mas chegou. E uma vez por aqui, conseguiu estabelecer uma ótima convivência com os Tupinambá.
Logo nos primeiros dias em solo brasileiro, ele conheceu e se apaixonou por Paraguaçu, uma índia lindíssima. A paixão foi correspondida e eles logo começaram a namorar. Diogo Álvares agora era chamado de Caramuru, nome pelo qual ele entraria para a história. Existe uma lenda, falsa, já te adianto, de que caramuru significaria “homem do trovão” ou algo assim, pois quando foi encontrado entre as pedras ele teria disparado um tiro de seu mosquete, temendo que os índios iriam lhe fazer mal. Primeiro que o cara sobreviveu a um naufrágio, com certeza ele não se preocupou em ter consigo um mosquete o tempo todo; segundo que ele está na água, né? Com pólvora molhada ele não conseguiria disparar nada. E, se pesquisar certinho, você vai ver que, em tupi, caramuru significa moreia, ou enguia, aquele tipo de peixe alongado, que é encontrado justamente nadando entre as pedras. Por isso ele ficou conhecido como Caramuru. Mas voltemos ao romance.
Paraguaçu era filha do morubixaba, ou seja, do líder de toda a aldeia. Como a paixão fora correspondida e Paraguaçu estava muito feliz, Caramuru foi definitivamente aceito pela tribo, e era muito respeitado. Chama a atenção o fato de que a cultura dos índios pregava a poligamia, e os homens tinham mais de uma mulher. Porém, Caramuru só se relacionava com Paraguaçu, ainda que fosse totalmente aceito pela tribo que ele tivesse outras mulheres. Era um caso de amor tão bonito que começou a chamara a atenção dos europeus que por ali passaram ao longo dos anos.
O primeiro desses europeus foi Girolamo Verrazano, um italiano que viajava sob bandeira francesa. Verrazano chefiava as expedições bancadas por Jean Ango, um riquíssimo empresário francês que comercializava Pau Brasil.
Em 1524, chega a Bahia uma expedição de Verrazano. Um dos capitães daquela expedição era Jacques Cartier, que num futuro próximo ficaria conhecido como o descobridor do Canadá. Cartier conheceu e se encantou pela história de Caramuru. Tudo deu-se tão bem que Cartier levou Caramuru e Paraguaçu em sua nau para a França, para que eles pudessem se casar.
No dia 30 de julho de 1524, Diogo Álvares, o Caramuru, se casou na igreja com Paraguaçu, agora batizada Catarina Paraguaçu, já que ela se convertera ao cristianismo. Eles se casaram na cidade de Saint Malo, na França, e os documentos dessa celebração ainda existem.
Alguns diziam que ela fora batizada Catarina em homenagem a rainha da França, Catarina de Médici, mas não. Na realidade foi em homenagem a Catherine e Granches, esposa do navegador Jacques Cartier, pois Jacques e Catherine foram os padrinhos no casamento de Caramuru e Paraguaçu.
Outra curiosidade inacreditável sobre este casamento é que ele provavelmente foi presenciado pelo Pero Fernandes Sardinha, que se tornaria Bispo e viria para o Brasil em 1549, outra história que já foi contada aqui. Sardinha, na época, estudava na Sorbone e teria ido a Saint Malo na época do casamento, pois tinha ligações com o clero da cidade.
E você, acha que eles viveram felizes para sempre na França? Claro que não! Eles não eram bobos. Depois do casamento, deixaram a fria e cinzenta França para voltar para o Brasil e viver na beira da praia! E, de fato, viveram felizes para sempre entre os Tupinambás. Ao longo do tempo, Caramuru foi muito importante e respeitado tanto pelos índios quanto pelos europeus que chegavam por lá com cada vez mais frequência. Ele viu a Bahia virar capitania hereditária, depois a fundação de Salvador, até que faleceu em 5 de outubro de 1557, aos 66 anos. Paraguaçu ainda viveu mais tempo. Não se sabe a idade dela, mas supõe-se que era um pouco mais nova que Caramuru. Paraguaçu se tornou muito católica e ergueu a primeira igreja da região. Ela faleceu em 26 de janeiro de 1583. Os corpos do casal estão enterrados na igreja da Graça, no bairro Altos da Graça, em Salvador.
Com essa bela história de amor, finalizo desejando a todos um ótimo Dia dos Namorados.
HOJE EU RECOMENDO
Disco: Acabou Chorare
Artista: Novos Baianos
Ano de lançamento: 1972
Pra seguir na boa vibe do amor e da baianidade, nada melhor que este clássico da MPB. Disco indispensável e deliciosos de se ouvir em qualquer momento.