Ailton Salomé Dutra
O atual Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.177, tratou, também, da responsabilidade solidária do profissional contábil em atos antijurídicos praticados pela empresa da qual ele é o responsável (atos culposos com seus clientes e dolosos perante terceiros).
É de pleno conhecimento da classe empresarial da importância e relevância destes profissionais na lida diária das empresas, orientando, corrigindo rotas, desonerando o empreendedor da dura burocracia brasileira a fim de que possa ele se concentrar no objeto principal da empresa, que é o de gerar renda, riquezas e empregos.
Neste mister, por não poucas vezes, o contador se envolve diretamente com a labuta diária do empreendedor, efetivando negócios e tratativas de toda ordem civil, tributária, familiar e tantas outras, acabando por partilhar com o proprietário a responsabilidade de fato nas atividades da empresa. Neste contexto então é que pode advir uma confusão das obrigações do responsável contábil com a de uma gerência indireta, partícipe ou mesmo cúmplice, o que pode lhe imputar uma responsabilidade em atos não perfeitos juridicamente, de forma intencional ou não. E é neste ponto que queremos traçar uma breve análise sem, evidentemente, extinguir esta extensa discussão.
No campo da responsabilidade civil, o contador responde pelos danos causados por ele ao cliente, e, solidariamente ao cliente, pelos danos causados a terceiros.
No terreno criminal, o contador é o responsável pela integridade e pela legitimidade dos documentos contábeis de qualquer natureza, públicos ou privados, tais como os livros-caixa, declarações tributárias, patrimoniais e financeiras. A geração de um falso balanço ou balancete, por exemplo, com fins de prestar falsas informações a terceiros (seguradoras, fiscos, investidores e outros) pode custar a profissão do contabilista e até mesmo a sua liberdade, sendo crime doloso, podendo gerar ações criminais, tributárias, cíveis e de todas as demais áreas do direito.
Na seara tributária responderá este profissional, juntamente com seu contratante, em decorrência da prática de atos com o intuito de burlar a fiscalização, omissão ou alterações de informações obrigatórias e falsificação de documentos. Neste contexto, até mesmo um suprimento de caixa, por exemplo, sem comprovação da origem do numerário, lançado apenas para “fechar” o caixa escritural, poderá implicar em uma responsabilidade extensiva. Caso o erro contido no balanço tenha sido involuntário, causado por imperícia, o profissional deve responder a quem prestou o serviço. Se o contador tiver conhecimento do erro ao divulgar o balanço, ele responderá à Justiça e a outras entidades da mesma forma que o proprietário da empresa.
Interessante particularidade é a situação de que se a infração do contador se der dentro do estabelecimento da empresa, a responsabilidade é da empresa; mas se for fora do ambiente do empresário, no escritório do contador, este será o responsável, conforme a dicção dos artigos 1.177 e 1.178 do Código Civil; claro que há discussões quanto a este tema, mas fica registrada a observação.
A intenção deste texto não é a de assustar ou engessar a profissão contábil, mas sim alertar que as demandas judiciais, sobretudo as oriundas dos fiscos, estão sempre buscando mais pessoas a serem incluídas nos polos passivos das obrigações tributárias havendo verdadeiros desatinos na intenção de garantir os tributos ou mesmo as reparações cíveis ou criminais; a mesma intenção tem-se notado nas ações interpostas por particulares contra as empresas.
É fato de que nas acusações de atos dolosos haverá sempre que se ter a prova de que o agente solidário teve participação ou interesse direto no ato; entretanto, nas responsabilidades culposas (e não criminais) a responsabilidade será objetiva, ou seja, independe se tinha ou não interesse naquela irregularidade.
No dia 14 deste mês e ano, o STF iniciou um assentamento deste tema ao fixar a tese de que “É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional”, ao julgar a constitucionalidade de uma lei goiana que inseria a responsabilidade do contador em diversas infrações cometidas pelas suas contratantes.
A linha mestra deste julgamento foi a de que não se pode exigir uma solidariedade tributária ao contabilista fora das linhas demarcadas pelo Código Tributário Nacional (CTN), cabendo somente à Lei Complementar da União, com caráter nacional, legislar sobre matéria tributária, devendo esta responsabilidade se ater aos termos dos artigos 124, 134 e 135 do CTN, em especial no que se refere ao requisito do interesse e da ação comum no ato ilegal.
Portanto, repisando que não se procurou aqui findar o tema, salientamos que a responsabilidade do contabilista, nas áreas cíveis, criminais ou tributárias, é regida no ordenamento jurídico pátrio como um todo, podendo, sim, este profissional responder solidariamente com os seus contratantes, mas devendo esta responsabilidade também estar atrelada às normas legais tupiniquins, tal como a necessidade do interesse, ação, dano, vontade, culpa ou dolo do agente, não sendo esta sujeição passiva aleatória ou sem critérios, tal qual já nos debruçamos no artigo análogo já publicado neste mesmo diário em 31/07/2021 (“Pode o sócio ser multado junto com a empresa?”).
Advogado especialista em Direito Tributário, bacharel em Ciências Contábeis
Comentários estão fechados.