“Os filhotes estão muito bem”, disse o veterinário Alexandre Resende, em entrevista ao Estadão na quarta-feira. Os quatro ovos que descascaram primeiro são do ninho A. Os outros dois, coletados no ninho B, eclodiram depois e os filhotes também passam bem. Resende, que trouxe os seis ovos da Chapada para preparar os nascimentos em Itatiba, é membro da equipe do ICMBio e consultor do Zooparque de Itatiba, a 86 quilômetros de São Paulo. Ele explicou que os “pais adotivos” aceitaram bem os filhotes e os patinhos que nasceram primeiro já estão comendo peixes. De acordo com o veterinário, ainda não é possível saber se há fêmeas no grupo. “Precisamos que cresçam um pouco para ver o sexo”, afirmou o especialista.
Durante a viagem para São Paulo, Resende controlou o desenvolvimento dos bichinhos ainda dentro dos ovos, chocados em temperatura artificial até serem colocados no ninho de um casal que cuidava de ovos não férteis. “Este método é o melhor. Os pais adotivos ensinam os filhotes a caçar de forma natural, explicou o veterinário. “Assim, eles ganham peso mais rápido, o sistema imunológico é muito melhor”, relatou Resende. “É a primeira vez que temos essa genética do pato-mergulhão da Chapada dos Veadeiros sob cuidados humanos”, festejou. “Vai ser superimportante para a variabilidade genética do projeto.”
A pesquisa para a preservação do pato-mergulhão (Mergus octocetaceus) é parte do Plano de Ação Nacional (PAN) para repovoar a natureza em pelo menos três locais nos quais ainda há registros da presença dessa ave – considerada sob ameaça crítica no meio ambiente do Cerrado. Há hoje somente cerca de 200 indivíduos adultos conhecidos, vivendo em regiões do Jalapão, em Tocantins, e da Serra da Canastra, em Minas Gerais, monitoradas por outras equipes, e na Chapada dos Veadeiros.
O pato-mergulhão é “Embaixador das Águas do Brasil”, título recebido no 8º Fórum Mundial da Água, em 21 de março de 2018, no Ministério do Meio Ambiente. Ele é considerado um marcador de qualidade ambiental por só existir em áreas de águas claras e puras de rios, cascatas, córregos e lagoas.
O projeto de salvamento da espécie na Chapada dos Veadeiros ocorre no Parque Estadual de Águas Lindas, a 200 quilômetros de Goiânia. É integrado por um time que tem os biólogos Gislaine Disconzi e Fernando Previdente, do Projeto Pato-mergulhão Chapada dos Veadeiros, em conjunto com o veterinário consultor do Zooparque. Auxiliados por especialistas em canoagem, os cientistas trabalham para formar casais de pato-mergulhão de diferentes regiões, visando a fortalecer a genética dos filhotes.
“Coletamos seis ovos de dois ninhos na Chapada”, comemorou o veterinário logo que chegou a São Paulo, ainda a caminho de Itatiba. Para alcançar um dos locais da coleta, ele e Previdente desceram, pendurados por cordas, por uma parede de cerca de 30 metros até o ninho, feito em um buraco a quase 4 metros acima do nível da água. Esse sítio reprodutivo estava sendo monitorado pela equipe havia meses.
“A gente tem 40 minutos para acessar o ninho quando a mãe deixa o local para se alimentar”, relatou o veterinário. Para retirar os ovos, ele usou um braço mecânico de plástico duro, com uma mãozinha, para alcançar o fundo do buraco e evitar o toque humano no ninho. A operação tem de terminar antes de a pata retornar do almoço para que ela não abandone os demais ovos que ficam no ninho.
Marrento
O mergulhão parece ser um pato marrento, admitiu o pesquisador. Ele é diferente de seus primos de bico chato. Tem um bico fino, com “dentinhos”, uma serrilha que facilita a pesca. Só vive em água transparente para poder ver o alimento e é muito arisco.
Pesquisadores do seu comportamento contam que no passado já viveu na Argentina, no Paraguai e no Sul do Brasil. “Calculamos que haja entre 175 a 225 indivíduos adultos (nas áreas protegidas)”, disse a bióloga Gislaine Disconzi, do Instituto Amada Terra de Inclusão Social, coordenadora do projeto de salvamento. “Aqui na Chapada estimamos de 30 a 50 indivíduos.”
Marcador ambiental. Com recursos de entidades que financiam a preservação ambiental, como o fundo The Mohamed Bin Zayed Species Conservation Fund e o Bird Conservation Fund, a bióloga explicou que o mergulhão depende de meio ambiente em equilíbrio. Segundo Gislaine, os cientistas estão descobrindo novidades da ecologia da ave. “A espécie está se esvaindo. Estamos vendo isso no trabalho de campo e discutindo com pesquisadores de outras regiões”, contou ela ao Estadão. O que se sabe, ressaltou, é que se trata de uma ave residente. “O mergulhão não tem comportamento migratório.”
Foi essa dependência do bicho da existência de água limpa que terminou por transformá-lo no identificador de qualidade ambiental. “Onde há mergulhão, como em Águas Lindas de Goiás, é sinal de meio ambiente em excelente estado de conservação”, disse Gislaine. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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