O ministro Fernando Haddad mandou o seu projeto de orçamento para o Congresso Nacional, considerando que, com a mudança da lei (PL 2.384/2023), permitirá que o voto do presidente do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) será o que valerá, em caso de empate — dois votos e não um voto só, pois é um voto de qualidade — e, com isso, pretende arrecadar até R$ 54 bilhões.
O que me entristece, na fala do ministro Fernando Haddad — que eu respeito, temos relação desde a época que ele era assessor da prefeita Marta Suplicy, tendo dado palestras, inclusive, no Conselho Superior de Direito, que eu presido — , o que me impressiona é a forma como ele falou, como mandou, a forma como foi mudado que, na minha opinião, tem duas falhas fundamentais.
A primeira é que ele transforma o Carf não num órgão de julgamento justo, de procurar a justiça tributária, de fazer justiça entre o contribuinte e o Fisco. Mas num órgão de arrecadação. O que vale dizer, quando há empate, significa uma dúvida enorme, vai valer o voto daquele que é fiscal para que se possa ter a arrecadação.
O que menos importa é a justiça tributária. O que mais importa é ter dinheiro em caixa.
Quando, na verdade, toda a luta que se faz — desde que comecei a discutir direito tributário, há 65 anos, desde que nós tivemos o Relatório Newmark para, na União Europeia, definir o seu regime tributário, desde a Royal Commission Taxation do Canadá, quando se discutiu quais eram as funções fundamentais da política tributária, que era fazer justiça tributária, transformar o órgão do Carf, não num tribunal de julgamento justo, mas num tribunal para decidir a favor da Receita — dando um peso de duas vezes ao presidente, que é sempre um agente fiscal.
É evidente não compreender qual é a função da revisão administrativa, do processo administrativo fiscal. Esse é o aspecto em relação ao espírito que levou a essa alteração.
E o segundo aspecto, esse, a meu ver, é mais grave. Os pais do direito tributário — aqueles que fizeram o direito tributário, aqueles que compuseram o Código Tributário Nacional, aqueles que redigiram a Emenda Constitucional nº 18, aqueles que introduziram o sistema tributário que nós não tínhamos antes, Rubens Gomes de Sousa, Carlos da Rocha Guimarães, Aliomar Baleeiro, todos aqueles que foram, realmente, os pais do direito tributário — puseram, no Código Tributário Nacional, o artigo 112, dizendo o seguinte: num caso de dúvida para a decisão entre uma discussão contribuinte/fisco, tem que prevalecer a interpretação mais favorável ao contribuinte. E o Código Tributário tem eficácia de lei complementar.
Portanto, estão mudando uma lei complementar por meio de uma lei ordinária, dizendo que, em caso de dúvida, tem que prevalecer a vontade do fisco, e não como manda o CTN (Código Tributário Nacional), como manda uma lei de hierarquia superior à lei ordinária, que condiciona a lei ordinária, que é o Código Tributário Nacional, e que, no caso de dúvida, incidisse a favor do contribuinte e não a favor do fisco. O que vale dizer, a meu ver, é uma evidente ilegalidade nessa lei ordinária que acabam de aprovar.
Por meio de lei ordinária, estão modificando o Código Tributário Nacional, dizendo, em caso de dúvida, porque se tem quatro votos de um lado e quatro votos de outro, eu tenho dúvida. E daí um deles passa a ser o superior julgador, porque a sua posição valerá duas vezes, e não um voto só. Então, apesar de ser quatro a quatro, fica cinco a quatro, e um tem o valor de dois. Portanto me parece que temos uma violação ao Código Tibutário Nacional.
Na minha opinião, primeiro, o projeto transforma o Carf não num tribunal de justiça tributária, mas num tribunal apenas de arrecadação fiscal. Segundo lugar, fere, o Código Tributário Nacional, que manda que, no caso de dúvida, tem que se decidir a favor do contribuinte, artigo 112, e não a favor do fisco.
Comentários estão fechados.