Por Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla*
O momento presente se vê às voltas com um fenômeno tão antigo quanto o mundo, ou seja, trata-se da violência, antiga ao extremo, nova de fazer saltar nossos olhos de horror, espanto e vergonha ao mesmo tempo, é que podemos chamar de a crise da vida em todas as suas esferas, a impressão que temos é que tudo saiu dos trilhos, o tempo perdeu sua razão de existir, as pessoas trocaram aquelas suas convicções mais profundas por algo totalmente desconhecido e quem feito muitos malefícios para quem quer que seja. Viver tem se tornado a cada dia um exercício perigoso, custoso e também difícil, noutras palavras, o que antes era um prazer tornou-se agora uma arma poderosa para se vingar, tirar satisfação e muito pior ainda, tirar a vida de inocentes; liquidar o outro, aquele diferente de mim tornou-se assim aquilo que realmente importa, um tempo que merece ser pensado.
Essa última semana, nós brasileiros assistimos episódios lamentáveis no mundo do esporte das massas, esporte esse que por sinal tem dado muitas poucas alegrias para os apaixonados, trata-se do futebol, um esporte que em outros tempos tínhamos orgulho de perdermos noventa minutos de nossa existência para torcermos até às lagrimas, ganhasse ou perdesse nosso time ou nossa seleção. O futebol a cada dia que passa se desmorona mais e mais, cooptado pela ganância dos empresários e diretorias inescrupulosas, jogadores que jamais deveriam ter optado por essa profissão e torcidas ensandecidas, corrupção e lavagem de dinheiro e agora tiros, bombas, pedras voando para todos os lados, famílias inteiras acuadas por grupos de torcedores que acham no direito de fazerem “justiça” com as próprias mãos, isso e muito mais nos tem feito sair do habitual, do normal.
Não menos terrível, presenciamos atônitos quase que ao vivo, pois tal fato ocorreu não muito longe de nós, mais precisamente na cidade de Cambé-PR, dois jovens foram escolhidos a esmo e mortos covardemente por um outro, dentro da escola, local até então tido como quase que sagrado, pois é ali que recebemos parte da nossa formação que nos acompanhará para sempre onde quer que vivamos; tal evento que não foi o primeiro e muito menos o último, fez com que caísse de uma vez por todas as nossas ilusões, isto é, a escola também é um recinto no qual pode se transformar num campo de batalha, sem plano definido a não ser a morte barata e sem justificativa; há muito tempo a escola deixou de ser uma instituição que tenta mostrar a verdade, nela hoje as transgressões são a regra e o que se deveria seguir, a exceção; o mercado da violência também chegou nesse ambiente.
Quando em nossas minúsculas considerações achamos que já vimos de tudo, eis que algo nos surpreende, isto é, chega até nós um tipo de violência que faz tempo estampa praticamente todos os meios de comunicação, a qualquer hora do dia ou da noite, foi o caso de uma embarcação com algumas pessoas a bordo, descendo praticamente quatro mil metros de profundidade para observarem a tragédia do Titanic, ocorrida em mil novecentos e doze, uma viagem muito cara para cada tripulante e que no final se revelou suicida. Uma violência dessas, praticada contra aqueles que lá morreram, só para depois se deleitarem e contarem ao restante do mundo que lá estiveram, deu no que deu, uma ironia do destino, dentre tantas já ocorridas; mais uma vez a técnica deu mostras de que ela possui seu calcanhar de Aquiles; imaginemos por um instante o que poderá ocorrer na ida até Marte.
Junto a tudo isso, temos a violência absurda da guerra da Ucrânia, uma terceira guerra mundial feita em pedaços, já de longa data preparada e agora posta em prática pelos dois lados envolvidos, território ucraniano tem sido palco de inúmeras violências ao longo da sua existência, lembremos das duas guerras mundiais que ela enfrentou, a invasão soviética, a tragédia de Chernobyl em mil novecentos e oitenta e seis, o desmoronamento da União Soviética e agora então a invasão russa, um país inteiro mergulhado na falta de paz, alvo da cobiça humana desmedida, a miséria agora estendida não só aos ucranianos, mas também à toda comunidade internacional; a violência contra a Ucrânia é uma violência dirigida a todos nós de certa maneira, pois a violência lá acontecendo tem reflexos em todas as esferas, isso mostra o quanto deixamos de nos alfabetizar em termos de convivência.
Bioeticamente, não podemos e não devemos permitir que essas e outras tantas violências ganhem a luta, não podemos permitir que o nosso silêncio ensurdecedor seja o comandante de nossas atitudes, como entender que meia dúzia de líderes mundiais tenham um poder ilimitado de dizer que a violência é a melhor solução para a humanidade e o Planeta? Nosso momento existencial mostra claramente o quanto temos de potencial para buscarmos a paz, mas também nos faz temer pelo quanto de limitações, sonhos alucinantes e erros colossais, que somos capazes de praticar. No ser humano sabemos de antemão que nele estão todas as grandezas, todas as oportunidades e ao mesmo tempo todas as vulnerabilidades, riscos, medos e dúvidas; a nova roupagem assumida pelo ser envolto na técnica revela uma triste verdade, isto é, todos os fantasmas que esse mesmo ser achava que tinha exorcizado, eles voltam com força total e por onde passam, provocam crises, tormentos e divisões, isso revela que sozinhos não somos nada, mas juntos somos fortes.
*Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
Comentários estão fechados.