Para muitos especialistas, parece improvável mudança tão drástica da política ambiental no fim do governo. “O mundo não acredita que essa mudança vai acontecer durante o atual governo, não se trata disso; mas é um fator positivo porque estabelece compromissos do Estado que terão de ser cumpridos no futuro”, diz o especialista em Relações Internacionais da USP Eduardo Viola.
Professor de Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida, Tanguy Baghdadi vai na mesma direção. “Nesses casos, o que pesa mais é o histórico do governo”, diz o especialista. “E esse governo, nos últimos dois anos, aumentou as emissões; em plena pandemia, quando o mundo todo reduziu naturalmente as emissões de CO2, o Brasil conseguiu a proeza de aumentá-las em 9,5%.”
Entretanto, diz, a postura indica um reconhecimento de que a política ambiental é importante. E interfere no comportamento de investidores e consumidores. “Então, vejo essa postura como uma tentativa de dizer: ‘Olha, estamos comprometidos’, estamos pedindo um voto de confiança”, resume.
SANÇÕES
Pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Paz afirma que, em um futuro não muito distante, países que contribuem para as mudanças climáticas estarão sujeitos a sanções internacionais. O pesquisador lembra que está em análise no Congresso americano um projeto de lei nesse sentido. A norma proposta condena a agropecuária em terras desmatadas ilegalmente e cita o Brasil.
“Acho improvável que esse governo faça uma reversão de sua política climática”, diz Paz. “Mas, por exemplo, se a situação começar a piorar, se começarmos a ter novos recordes de queimadas e emissões no ano que vem, uma lei como essa nos EUA pode ganhar força e acabar sendo aprovada. Por outro lado, se a situação melhorar, a aprovação da lei pode deixar de ser uma prioridade.”
CETICISMO
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, presidente do Consórcio Brasil Verde, formado por 22 chefes dos Executivos estaduais, participa de um encontro promovido pelo príncipe Charles, em Glasgow, na Escócia. Entre suas missões está tentar diminuir as dúvidas em relação à postura colaborativa do Brasil nas negociações internacionais do clima.
“Todos estão vendo uma postura diferente do Brasil, mas todos estão vendo com desconfiança”, diz Casagrande. “Há um ceticismo em relação ao governo brasileiro.”
Ex-embaixador do Brasil no Reino Unido e nos Estados Unidos, Rubens Barbosa acha que houve uma evolução positiva da narrativa do governo sobre as questões climáticas de 2019 para cá. “Em vista dos grandes compromissos que o Brasil assumiu, inclusive nos pronunciamentos do próprio presidente, espera-se agora uma mudança na política de meio ambiente do governo, no combate aos ilícitos da Amazônia, na retirada de projetos de lei que permitem o aumento das áreas de garimpo, no aumento da fiscalização na pecuária”, afirma Barbosa.
AGRO COBRA APOIO
Entidades ligadas ao agronegócio veem como positivo o acordo assinado pelo Brasil e mais de cem países na Cúpula do Clima das Nações Unidas para reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, ante os níveis do ano passado. Os grupos pedem, no entanto, que o governo federal oferte recursos e assistência técnica para que as adaptações sejam feitas. Até o momento, o País não divulgou quais ações serão tomadas e tampouco especificou se pretende cumprir a meta de forma integral.
Vice-presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) e presidente do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac), Caio Penido afirma que enxerga o acordo firmado na COP-26 como uma oportunidade para o Brasil. “É uma agenda da qual não tem como o Brasil ficar de fora. Se a gente não entra, é pior. Imagina a imagem do Brasil como fica”, diz. “O acordo é um estímulo à intensificação da tecnologia das fazendas, mas o produtor acaba tendo que investir”, explica. “A gente tem que compartilhar o custo com o resto do mundo. O mundo quer usufruir disso, mas como vão ajudar?”, indaga.
O vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas (Faea), Muni Lourenço, enxerga de forma parecida. Para ele, a produção pecuária no Brasil tem feito “esforço significativo para adotar boas práticas sustentáveis”. “Esse esforço tem dois pilares: o cumprimento do Código Florestal, que é uma legislação ambiental robusta e rigorosa, e a crescente adoção por produtores rurais de novas tecnologias”, explica.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informou, em nota, que recebeu positivamente a adesão do Brasil ao acordo firmado pela Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26). Ao mesmo tempo, destacou que “a avicultura e a suinocultura, setores representados pela ABPA, são atividades com baixa emissão de metano, e já incorporaram medidas de mitigação do gás”. Já a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) apontou que a decisão não envolve diretamente os frigoríficos, uma vez que “se refere aos produtores rurais que criam e engordam gado”. Destacou ainda o fato de que, até o momento, não existe nenhuma medida prática sobre o que deve ser feito para reduzir o gás. No momento em que ações mais práticas forem adotadas, a entidade apontou que pode se posicionar. Procuradas, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) não se posicionaram.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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