Angústia para os pais, a maioria das crianças com APLV desenvolvem tolerância até os 6 anos de idade. Mas como viver sem leite até lá?
Você sabe o que é APLV? É a alergia (hipersensibilidade) à proteína do leite de vaca. E nada deixa os pais tão aflitos quanto uma condição de saúde não identificada, não é mesmo? Por isso, a APLV entra na lista dos assuntos que deixam os pais ansiosos. Afinal, definir se uma criança é alérgica ao leite de vaca não é fácil, nem rápido e também não é algo possível de ser feito em apenas uma consulta.
Conforme o médico pediatra com especialização em alergia e imunologia, Luis Augusto Schirr, o diagnóstico de APLV começa com a suspeita, passa pela história clínica do bebê ou criança e só é concluído com testes de provocação oral ou com os resultados da dieta de exclusão. “O primordial é estar atento aos sintomas suspeitos e não demorar a levar a criança ao médico pediatra alergista. Isso evita que o diagnóstico seja uma fase demorada e turbulenta”, alerta.
Os sintomas são diversos e variam tanto em termos de gravidade quanto em relação ao tempo que demoram para se manifestar – e tudo isso influencia no tratamento. “Por isso, quanto mais preciso for o relato, mais fácil diagnosticar e tratar”, reforça o especialista. “A boa notícia é que 90% das crianças superam a condição e vivem uma vida livre de alergias mais tarde”.
O médico lembra que é durante o primeiro ano de vida que os sintomas da alergia à proteína do leite de vaca (APLV) ou alimentar se manifestam com mais frequência. “O mecanismo da alergia nos primeiros meses de vida é não mediado por IgE, ocorrendo usualmente por imaturidade do sistema imunológico intestinal, o qual reage à proteína da dieta, desenvolvendo alergia mediada por células”, elucida. “Assim, os lactentes com esta forma de alergia apresentam muito mais sintomas gastrointestinais e usualmente tem resolução desta situação (mais de 50% dos casos) ainda no primeiro ano de vida.”
Diagnóstico
O primeiro passo para descobrir se a criança sofre com APLV é realizar o histórico clínico, já que os sintomas são muito variáveis. É o pediatra alergista quem fará uma investigação minuciosa sobre as reações, que deverá incluir:
- Natureza dos sintomas: quais alimentos costumam causar as reações, segundo as observações feitas pelos pais
- Frequência dos sintomas: eles aparecem sempre que a criança consome leite de vaca? São sempre os mesmos sintomas?
- Tempo entre a ingestão do alimento e o aparecimento dos sintomas
- Quantidade necessária de ingestão dos alimentos para causar as reações
- Tipo de alimento ou forma de preparo que causa a reação
- Descrição detalhada dos tipos de reações
- Influência de outros fatores no aparecimento dos sintomas, como uso de medicamentos ou estresse.
“A elaboração de um diário alimentar pelos pais, registrando todas as refeições do dia e as observações indicadas, é uma forma eficaz de auxiliar para traçar o diagnóstico. Depois, durante a consulta, investigamos se há histórico de alergia alimentar na família”, explana.
Há, também, alguns exames que auxiliam no diagnóstico e acompanhamento da APLV. Entre eles, o exame de sangue detecta a presença de anticorpos IgE específicos em reação a ingestão de determinados alimentos; e o teste cutâneo de hipersensibilidade imediata (Prick Test), que é realizado na pele, por meio de prick, que são minúsculas escoriações feitas pelo médico alergista na pele do antebraço ou no dorso. “Nesses pricks é pingado extratos puro de alimentos para observar, em poucos minutos, se há reações alérgicas locais”, explica o médico.
No entanto, tais exames não são suficientes para fechar o diagnóstico da APLV, alerta Schirr. “É unindo o histórico clínico e o resultado dos testes (no caso das crianças com reações imediatas ou mistas) para definir se há ou não suspeita de alergia ao leite de vaca”, afirma o especialista.
Prognóstico
O médico cita um relatório publicado em 2012 pela European Society of Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), que aponta que cerca de 50% das crianças com alergia à proteína do leite de vaca desenvolvem tolerância com um ano de idade; cerca de 75% até os três anos e 90% até completar seis anos. “No entanto, as alergias alimentares estão se tornando cada vez mais frequentes e persistentes ao longo dos anos. Portanto, ainda que as chances de a criança superar a APLV ainda sejam maiores do que a possibilidade de conviver com a condição ao longo da vida, pode ser que o pequeno simplesmente não desenvolva a tolerância”, diz.
Schirr diz ainda que, apesar de ser frustrante para os pais não saberem se o pequeno irá ou não desenvolver tolerância ao leite de vaca e seus derivados, é fundamental ser persistente e adotar as recomendações médicas ao longo do diagnóstico e do tratamento. “Uma das formas de controlar a ansiedade é entender como a alergia ao leite de vaca funciona e o que significa a cura da APLV”.
Tratamento
A partir do diagnóstico, diz o médico, há a tranquilidade em saber que, com o tratamento, cessarão os sintomas. “O tratamento, entretanto, é a dieta de exclusão, e muitas dúvidas podem surgir a partir da recomendação de retirar o leite de vaca. Cada caso é único, mas vale ressaltar que mínimas quantidades do alérgeno são capazes de deflagrar reação, portanto a restrição deve ser total, e é a informação que nos protege de transgredir a dieta sem a intenção”, defende.
Dentro deste processo, o primeiro passo é saber o que não pode ser consumido. “Retiramos da dieta o leite, seus derivados (como queijo, manteiga, iogurte) e todos os alimentos que contenham leite em sua composição. Em teoria, precisamos basicamente conhecer os ingredientes que indicam a presença de leite, estarmos afiados para a leitura de rótulos e descobrir novas receitas e alguns macetes culinários”, fala o médico.
Schirr lembra que é no dia a dia que se sente os desafios de toda uma rotina alimentar que se altera. “Da seleção de ingredientes e produtos que serão consumidos em casa à vida social, tudo deve ser cuidadosamente pensado e adaptado”, reforça.
Para o médico, cercar-se de opções seguras permite viver essas escolhas com mais tranquilidade. “Ter afinidade com a cozinha e adaptar receitas é uma das estratégias de muitas famílias que convivem bem com a alergia alimentar. Contar com o apoio da família, dos amigos e da comunidade traz a leveza necessária para encarar cada etapa da jornada”, reflete.
Convivendo com a APLV
Como pediatra alergologista, Schirr vivencia a angústia de pais e familiares que convivem com a APLV, por isso acredita ser fundamental o diagnostico e o acompanhamento com médico especialista em conjunto com o pediatra e nutricionista e, se necessário, também com psicólogo. “É fundamental uma equipe multidisciplinar para promover o bem-estar não apenas do bebê ou criança, mas também de toda a família”, recomenda.
Para o médico, o esclarecimento e orientações corretas sobre a APLV deixam mais leve o seguimento, “pois, quando os pais entendem o funcionamento e a evolução do quadro, ficam mais tranquilos e, assim, tem um dia a dia normal, sem sustos e aflições”.
O especialista frisa ainda que um dos primeiros passos é aceitar a existência da condição e garantir uma alimentação saudável, eficaz para o tratamento da alergia e nutricionalmente completa para a criança.
Além disso, ele acredita que, para que o tratamento tenha sucesso, a adoção da dieta deve, dentro do possível, não excluir o pequeno do convívio social e nem prejudicar a harmonia da família. Afinal, ainda que a dieta de restrição seja complicada e a ansiedade pela cura da APLV exista, é possível conviver com a nova rotina sem perder a qualidade de vida. “Será preciso incorporar novos hábitos em conjunto, mas são eles que irão possibilitar a remissão dos sintomas e, possivelmente, a tolerância ao leite de vaca no futuro”, finaliza.
Alergia ou intolerância?
Conforme Schirr, alergia e intolerância são coisas diferentes. Ele explica que a alergia alimentar geralmente é uma reação adversa ao componente proteico do alimento, e envolve mecanismos imunológicos. Já a intolerância é uma reação adversa que envolve a digestão ou o metabolismo, mas não o sistema imunológico. “Embora, equivocadamente, estes termos sejam usados com frequência como sinônimos, é importante estabelecer a diferença entre a intolerância à lactose e a alergia à proteína do leite de vaca (APLV)”, explica.
APLV na amamentação
Não há comprovação de que a dieta de restrição alimentar da mãe, durante a gestação e na amamentação, possa prevenir alergias alimentares em seu filho. Já as crianças alimentadas com leite materno podem ser expostas a essas proteínas, pois ocorre passagem pelo leite materno de proteínas íntegras do leite de vaca ingeridas pela mãe.” A restrição do leite de vaca e derivados para a mãe somente deve ser considerada se houver reações comprovadamente alérgicas no lactente que estiver sendo amamentado. Neste caso a mãe deve receber aconselhamento sobre sua dieta para evitar déficit da ingestão de determinados nutrientes”, indica Schirr.
O médico diz que é preciso tranquilizar a mãe que amamenta uma criança com APLV. “Ela deve continuar a amamentar, pois o leite materno é o melhor alimento para o desenvolvimento global do bebê. No entanto, é preciso seguir a dieta de exclusão de leite e derivados sugerida pelo médico”, reforça.
Caso a criança não esteja em aleitamento materno, Schirr comenta que existem fórmulas isentas da proteína de leite e muito próximas ao leite materno, que oferecem o alimento sem risco nutricional à criança.