Faz parte da ética jornalística não divulgar casos de suicídio. Há vários motivos para tal, entre eles resguardar a dor familiar e não expor os envolvidos. O principal, no entanto, é não motivar que outras pessoas atentem sobre a própria vida.
Esta semana, circulou pelas redes sociais a notícia de um carro abandonado sobre a ponte do Rio Chopim, na BR-158, entre Pato Branco e Coronel Vivida. Dentro do veículo, a Polícia Rodoviária Federal, que foi acionada por um motorista que passava no local, encontrou um bilhete de despedida com o número do telefone de sua mulher para que a avisassem. A Polícia Militar trabalha com a possibilidade de que o homem tenha caído nas águas do rio, mas até agora não há vestígios de seu paradeiro.
Mesmo que os suicídios não sejam noticiados, é importante alertar que houve um crescimento no número de casos durante a pandemia devido ao aumento significativo dos fatores de risco, que servem como gatilho para idealizações suicidas. Entre eles, dificuldades sócio-econômicas, violência doméstica, desemprego, perda de entes queridos, desesperança, solidão, entre tantos outros.
Apesar de as regras de isolamento serem essenciais para evitar a contaminação enquanto a maioria da população ainda não está vacinada, foram elas que contribuíram para o aumento nos casos de ansiedade, depressão e transtornos mentais em várias faixas etárias, mas especialmente entre os adolescentes. Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos revelaram que o suicídio aumentou 50% entre as pessoas de 12 a 17 anos, principalmente meninas.
Conforme a médica psiquiatra Valéria Medeiros Azevedo, que é formada pela UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as taxas de suicídio vem aumentando em todo o planeta. “O Brasil tem um caso a cada 46 minutos e, no mundo, há um suicídio a cada 40 segundos. Isso sem contar os casos subnotificados, que entram para as estatísticas como acidentes de trânsito, afogamentos, asfixias, envenenamentos”, diz. Ela completa a informação contando que o suicídio ocorre três vezes mais entre os homens. “É mais frequente em adolescentes do sexo masculino, mas também há uma incidência alta entre idosos”.
Transtornos mentais
Valéria diz que não há uma causa única para o suicídio, mas sim multifatoriais, com as biológicas, psicológicas e sociais. “Porém, estamos vivendo um momento muito difícil para toda a humanidade. Estar inserido neste contexto de pandemia afeta a intimidade de cada um de um modo diferente. Alguns podem ser envolvidos com pensamentos de desesperança e medo. Outros podem ter um quadro depressivo exacerbado e ter ideação suicida”, avalia.
No entanto, sabe-se que quase 100% dos suicidas padecem de algum transtorno mental, como os transtornos do humor (depressão ou bipolaridade); dependências químicas; esquizofrenia; transtornos de personalidade e ansiedade. “A criatura humana pode cometer suicídio por vários motivos. Aliás, só o ser humano se suicida”, explica a médica.
Uma pessoa pode tomar essa decisão infeliz, exemplifica a psiquiatra, por crenças religiosas, acreditando que a alma vai para um lugar melhor ou mesmo se encontrar com um ente querido morto; ou por ateísmo, ou seja, acreditando na finitude da vida. “Muitas vezes, também, para abreviar o sofrimento e a dor causada por uma doença terminal”, diz.
Falta ou excesso de trabalho
Ainda devido à pandemia, muitas pessoas perderam seus emprego e renda, enquanto outras tiveram que se adaptar ao home office. Neste último caso, prevaleceu a sobrecarga, e os motivos são vérios, desde não delimitar o fim do expediente até precisar conciliar trabalho com família no mesmo local.
Valéria diz que é preciso que se tenha equilíbrio entre a dedicação ao trabalho e a outras áreas da vida. “Existem pilares na nossa saúde mental que necessitam atenção, como a atividade laboral, a atividade física regular, uma alimentação balanceada, ter uma rede de apoio social e familiar e a vivência da espiritualidade/religiosidade”, indica.
Quando esses pilares não estão sendo atendidos, é importante cuidar da inteligência emocional (intrapsíquica) com psicoterapia e, se for necessário, se a pessoa já estiver padecendo de algum quadro psiquiátrico, o uso dos psicofármacos. Para isso, é necessário consultar um médico psiquiatra que fará o diagnóstico e indicará o tratamento adequado.
No mais, os familiares e amigos podem estar atentos a alterações de comportamento da pessoa, tais como isolacionismo; humor deprimido; fala desesperançada, com ideias suicidas; recusa em se alimentar; perda de prazer com situações de lazer; ideias persecutórias; uso compulsivo de drogas e álcool; entre outros. “É importante salientar que o suicídio é uma emergência psiquiátrica. A pessoa precisa ser levada a atendimento médico o quanto antes após se note alguns desses comportamentos”, finaliza.
*Valéria Medeiros Azevedo é médica psiquiatra em Pato Branco. CRM 14375 PR – RQE 10624.