Audiência dos programas do gênero ‘reality show’ cresceu de 50% a 60%

Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil se rendeu aos realities shows e, em tempos de pandemia do novo coronavírus, os produtores comemoram índices recordes de audiência. Os números de audiência do Big Brother Brasil 21, intitulado o ‘Big dos Bigs’, mostram que essa foi uma edição histórica na trajetória do reality. O programa teve a temporada de maior audiência, na média nacional, 51% em nove anos – com 27 pontos de participação, segundo o Painel Nacional de Televisão ( PNT). De acordo com dados enviados pela TV Globo ao Estadão, a final, que consagrou Juliette Freire como campeã, também foi a de maior audiência em 11 anos. Mas o recorde da temporada no PNT foi registrado no dia 23 de fevereiro, noite em que Karol Conká foi eliminada, com 36 pontos de audiência.

Já a 12ª temporada de A Fazenda, na Record TV, que teve a funqueira Jojo Todynho como a vencedora, obteve um aumento de 60% de audiência em São Paulo entre setembro e dezembro de 2020 em relação ao ano anterior. De acordo com dados divulgados pela emissora, a atração atingiu 118 milhões de telespectadores em todo o Brasil.

Com a força das redes sociais, é praticamente impossível sair ileso das notícias relacionadas aos programas e muita gente acaba se interessando pelas polêmicas geradas. Por que isso acontece? “Creio que poder ser atravessado pelas paixões que nos evocam assistir de forma crua o cotidiano dos outros sempre serve de ‘válvula de escape’. O espectador procura torcer, rir, vibrar e chorar com aquilo que se destaca, amplifica e de certa forma “normaliza” as pequenezas que nos são próprias. A migração da TV para a internet é parte do contexto no qual o espectador é costumeiramente mais ativo que os próprios partícipes, vide outros realities como os na Twitch TV e no próprio YouTube”, explica Leonardo Goldberg, doutor em Psicologia.

Aquela história de que reality show serve apenas para quem é curioso sobre a vida alheia ou que sente prazer em observar pessoas nas mais diversas situações é coisa do passado. Programas como Big Brother Brasil e A Fazenda, por exemplo, levantam uma série de pautas sociais, como racismo, homofobia e feminismo. Mas nem sempre foi assim. Nos idos dos anos 2000, quando Silvio Santos trouxe o formato para o Brasil, com o extinto Casa dos Artistas, o símbolo que representou a atração foi uma fechadura. O dono do SBT decidiu alugar uma casa vizinha à própria residência, no bairro do Morumbi, na zona Sul de São Paulo, e confinar alguns artistas durante meses. O diretor de TV Julio Francfort participou da montagem e da criação da plástica de Casa dos Artistas e acredita que diversos fatores fizeram com que os brasileiros gostassem do estilo. “O primeiro aspecto vem exatamente do exemplo que o próprio Silvio Santos deu na época da estreia de Casa dos Artistas. A curiosidade milenar das pessoas em ‘olhar pelo vão da fechadura’. A presença de pessoas conhecidas, exatamente para saber como aquele artista ou personalidade pensa e se comporta fora da telinha, fora da sua zona de conforto, conhecer o ser humano por trás daquele cantor ou cantora, humorista, do apresentador e por aí vai, também são atrativos”, afirma. Francfort acrescenta que, por mais que muitos não admitam, brigas e discussões cativam o telespectador.

Confinar pessoas com personalidades tão distintas, durante muito tempo, com o objetivo de vencer o prêmio oferecido parece uma combinação explosiva. Não é à toa que as produções oferecem atendimento psicológico para qualquer participante que precise, nas 24h. A experiência de mais de 30 anos trabalhando em televisão e acompanhando de perto a evolução dos realities shows fez com que Arthur Ankerkrone decidisse escrever uma ficção, o livro intitulado O Maior Show do Mundo. “Vivo nos bastidores da televisão desde que me dou por gente e pensava numa história que trouxesse um pouco desse ambiente louco para o público que só conhece um lado da tela. Nisso me veio o potencial inexplorado de conflito dentro de um reality de confinamento. Aí surgiu o ‘e se…’: o que aconteceria se alguém morresse de forma suspeita dentro num programa destes? Seria encerrado, provavelmente. E se a ganância fizesse o programa ir em frente? A ideia de um serial killer dentro de um reality, controlado por alguém sem escrúpulos, ultrapassa qualquer limite”, conta.

Formatos

O psicanalista Leonardo Goldberg explica que existem, basicamente, quatro formatos recorrentes de reality shows que cativam o público: os big brothers, os de sobrevivência, de encontros amorosos e de busca de empregos. “No fundo, poderíamos traduzir como quatro instâncias que nos interessam profundamente: nos fazermos vistos pelos outros, nos mantermos vivos, encontrar um par amoroso e uma realização laboral. Por isso tanto interesse nesse formato de destacamento do cotidiano. Os ‘reality shows’ são frutos da herança estética legada pelo realismo: revelar de forma crua nossa realidade, nossos sensos mais humanos e cotidianos”, analisa.

A mistura entre pessoas conhecidas e anônimos é responsável pelo surgimento de fenômenos de popularidade graças ao seu comportamento e posicionamento diante das questões levantadas. Curiosamente, as pessoas que mais se destacaram na última edição de Big Brother Brasil eram desconhecidas do grande público. A advogada Juliette Freire, que foi duramente criticada e isolada pelos colegas de programa, foi acolhida pelos telespectadores. Afinal, quem não se sensibiliza com o fato de ser rejeitado? Quem nunca se sentiu assim na época da escola ou tentando fazer amizades?

Hoje, a paraibana tem quase 30 milhões de seguidores só no Instagram. Gilberto Nogueira também marcou posição, já que utilizou o BBB para dizer ao Brasil e ao mundo que é homossexual. O jeito extrovertido e fanático por reality fez com que o doutor em economia chegasse muito perto da final do programa. “Nos dias atuais com a internet, as redes sociais e os influencers, onde há muito mais espaço para a discussão de todos os assuntos, essa é uma tendência natural. Assuntos como os que surgiram no BBB de racismo, de militâncias certas ou erradas e também o próprio posicionamento das emissoras em relação a isso são importantíssimos e criam identidade em meio aos milhares de telespectadores”, enfatiza Julio Francfort. O diretor de TV lembra que temas que eram banais há quase 21 anos na Casa dos Artistas são inadmissíveis nos dias de hoje.

Na opinião de Leonardo Goldberg, doutor em Psicologia, esse formato de programa cria identidade, mas produz diferenças também: “Há uma certa espontaneidade nos programas que não comporta princípios identitários: ainda que exista uma certa performance, geralmente os participantes revelam seus funcionamentos mais íntimos e cotidianos no jogo, o que recorrentemente bagunça a expectativa do telespectador”.

No caso de atrações como No Limite e MasterChef, a disputa é um elemento importante nessa equação. “A competição é o ‘marco zero’ destes programas. No caso de No Limite, nesta edição, temos também o fato de os participantes já serem conhecidos da maioria do público, mesmo que alguns já tenham sido esquecidos com o tempo (todos são ex-‘BBB’s). Também estamos tratando de um reality de isolamento e não de confinamento, então, tudo acontece fora da ‘caixinha’, do ambiente controlado. O outro fator é entender até onde o ser humano consegue ir em seus limites físicos e mentais. No caso dos gastronômicos, os especialistas estão ali para fazer algo que o brasileiro adora: julgar os outros. Essa receita com um toque de bom humor, misturado ao tempero de avaliadores carrascos e a torcida pelos competidores, é um ‘prato cheio’ para a audiência”, avalia Francfort.

Ultrapassar limites é um elemento atraente para o espectador, na visão do psicanalista Leonardo Goldberg. “Esse é um formato ‘soft’ do que eram os jogos de vida e morte da antiguidade, justamente os que aclamavam aqueles sujeitos que transpunham e estabeleciam novos limites, sendo que o limite real e intransponível último é a própria morte. O MasterChef é um formato um pouco mais novo, que recolhe características de diversos outros realities: para o espectador, há uma bricolagem entre aprender novas receitas, competitividade e reconhecimento”, diz.

Depois de duas décadas de existência, qual será a tendência para os realities no Brasil? “É preciso diversificar e inovar sempre. As emissoras colocarem formatos parecidos em meses muito próximos também traz a saturação. Essa inovação tem de vir de novos projetos, sejam eles nacionais ou aqueles internacionais comprados das produtoras de conteúdo ao redor do mundo com programas que já fazem muito sucesso lá fora. As pessoas gostam de ver as versões ‘brazucas’ de atrações como The Voice, Ídolos, Canta Comigo ou o próprio BBB”, conclui Francfort.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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