Biografia de Ney Matogrosso busca captar a essência libertária do artista

Quando Julio Maria, repórter do Caderno 2, decidiu que Ney Matogrosso seria seu biografado, ele sabia que teria de encontrar a essência de um artista que, em sua incansável busca pela liberdade, sempre se mostrou demais em sua carreira artística. Em shows, capas de discos, apresentações em TV e entrevistas, Ney parece estar ali por inteiro. Haveria, então, algo mais para ser revelado?

-- 2 Notícia --

Julio sabia, com seu faro de repórter, que, para além de tudo o que o público já havia visto e dos dois livros que abordam a vida e carreira de Ney – a biografia Um Cara Meio Estranho, de Denise Pires Vaz, e o livro de memórias Vira-Lata de Raça, de 2018 -, era preciso descobrir como essa liberdade brotou dentro de Ney de Souza Pereira, nome de batismo do cantor. Ou, como prefere dizer, “de que barro” Ney foi feito. Esse é o ponto de partida do livro Ney Matogrosso – A Biografia, a ser lançado em 23 de julho, 9 dias antes de o artista chegar aos 80 anos.

-- 3 Notícia --

Como parte desse propósito, o biógrafo foi visitar dois lugares que, como revelam os dois primeiros capítulos do livro, foram essenciais nessa busca. Primeiro, a cidade de Bela Vista, em Mato Grosso do Sul, onde Ney nasceu. E, em Campo Grande, a casa dentro de uma vila militar onde Ney teve provavelmente o embate mais duro de sua vida, aos 17 anos: uma briga física com o pai, o sargento Matto Grosso, que vivia repetindo aos berros que não queria “filho viado”. Nesse dia, Ney, farto do autoritarismo de seu genitor, caiu no mundo.

-- 4 Notícia --

Julio fez essas incursões acompanhado da mãe de Ney, dona Beíta, à época com 96 anos – hoje, ela está perto dos 100 -, e da irmã do cantor, Naira. Ao entrar nessas propriedades e ver o quintal onde Ney teve contato com a natureza e com sua sexualidade, ele teve as primeiras pistas do que buscava. E foi além. Voltou no tempo e encontrou uma história familiar de transgressões, disputas por terras, ascendência indígena, bandoleiros, vida selvagem. “Tudo isso fica no Ney. Veja-o no Secos & Molhados. É um animal (no palco)”, diz Julio, em entrevista por telefone.

Com isso muito bem delimitado, e com a colaboração de quase 200 entrevistados, Julio tinha uma barreira a vencer: o próprio Ney. “Ele tem algumas travas. Quando sente que a história entra em um terreno perigoso (para ele), puxa o freio”, conta.

“Não escondo nada de ninguém”, diz Ney, também por telefone, para a reportagem do Estadão. Mais adiante, quando questionado sobre a maneira como o biógrafo narra sua vida afetiva, sobretudo, sua relação com o médico Marcos de Maria – até então um território pouco explorado, que, segundo o livro, colocou em risco o ideal de amor livre do cantor -, Ney afirma que não vê problema algum nisso. Porém, mostra onde está a trava. “Não conto tudo, claro. Algumas intimidades guardo para mim.”

Nos quase cinco anos de feitura do livro, Julio, claro, foi ganhando a confiança de Ney. Foram sete entrevistas presenciais e, durante a pandemia, ligações diárias com o cantor por mais de seis meses. “Foi o refinamento do detalhe. Tem um momento muito simbólico que foi quando ele encontrou uma caixa com cartas e bilhetes de Elis Regina, Gonzaguinha e Cazuza. Ele nunca havia mostrado para ninguém”, conta.

Elis, aliás, foi um ponto de ligação entre personagem e biógrafo. Quando escreveu Elis Regina – Nada Será Como Antes, Julio procurou Ney para saber se ele tinha alguma história com a cantora. Ney lhe narrou um encontro em um festival em Brasília, em 1981. E apenas isso. Agora, foi mais a fundo. Revelou que os dois conversaram uma noite inteira no quarto do hotel onde estavam hospedados. No dia seguinte, Elis escreveu um longo e carinhoso bilhete e colocou por baixo da porta. Ney guardou essa mensagem durante 40 anos – foi um dos guardados que ele confiou a Julio.

Carreira

Ney Matogrosso – A Biografia percorre a trajetória artística do cantor desde os tempos do teatro – Ney, na verdade, queria ser ator – e esmiúça a passagem do cantor pelo grupo Secos & Molhados, que rendeu dois discos e alguns dissabores. Sem a versão de João Ricardo sobre a saída de Ney da banda – o músico não concordou em falar para o livro -, Julio se cerca, além da versão do biografado, de fatos narrados por outros integrantes, como Gerson Conrad e até de um músico que passou pelo grupo e poucos se lembram, o baixista Gerson Tatini.

Da carreira solo, o livro traz histórias preciosas sobre as gravações dos principais discos de Ney, revisita o histórico show Destino de Aventureiro (1984) e mostra a contribuição precisa do artista na construção de um dos maiores fenômenos do rock nacional, a banda RPM.

“Ney é um cantor que nunca pensou em ser cantor. Não quis ser nenhum outro artista. Ele tem uma alma livre, o que o torna um artista único”, diz Julio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

-- 5 Notícia --
você pode gostar também

Comentários estão fechados.