Exposição no Instituto Tomie Ohtake reúne grandes painéis de Di Cavalcanti

Na antiga sede do Estadão, na rua Major Quedinho, um mosaico (Imprensa, 1952) chama a atenção de quem passa pelo centro de São Paulo, mas o nome do autor talvez escape a alguns transeuntes. A poucos metros do imponente edifício, outro mural (Alegoria das Artes, 1950) do mesmo pintor carioca, na fachada do Teatro Cultura Artística, confirma sua vocação para obras de grandes dimensões. Di Cavalcanti (1897-1976), afinal, foi um dos maiores muralistas modernos brasileiros – e isso tem enorme importância para a história da arte, considerando que, ao se falar do gênero, é comum que os nomes evocados sejam apenas os dos muralistas mexicanos (Orozco, Diego Rivera, Siqueiros). A exposição que o Instituto Tomie Ohtake abre nesta quarta, 2, dedicada ao Di Cavalcanti muralista, vem, assim, refrescar a memória nacional.

Com curadoria de Ivo Mesquita, trata-se de uma exposição que traz telas de grandes dimensões e até uma réplica da pintura mural que Di Cavalcanti projetou nos anos 1930 para o Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Arte ligada à arquitetura, era natural que os murais de Di Cavalcanti, um modernista de primeira hora, que participou da Semana de Arte Moderna de 22, enveredasse para abstração nos anos 1950, com o boom da construção moderna e o processo de industrialização, mas não é isso o que se vê em sua pintura mural. Ele segue fiel à figuração e aos temas populares que o consagraram desde que começou a executar murais, ainda nos anos 1930, a segunda dentição do modernismo, mais voltada ao engajamento social de seus artistas.

Após os murais para o Teatro João Caetano, Samba e Carnaval (1929-30), Di Cavalcanti assinou, segundo o curador Ivo Mesquita, outros três murais na década de 1930: o do Cassino do Quartel do Derby, no Recife, o da Escola Chile, no Rio de Janeiro, ambos em 1934 e pintados diretamente na parede, e o painel para o Pavilhão da Cia. Franco-Brasileira de Cafés na Exposição Internacional de Artes e Técnicas na Vida Moderna, em Paris. Este último, de acordo com Mesquita, “parece estar desaparecido, mas ganhou medalha de ouro no evento enquanto o do Cassino do Derby foi destruído pelos militares em 1937, depois do golpe do Estado Novo”. Di Cavalcanti, nem é preciso lembrar, era inimigo do ditador Getúlio Vargas, foi preso e torturado pela ditadura e depois exilou-se na França, entre 1936 e 1940.

Muitos dos murais e telas expostos na mostra do Instituto Tomie Ohtake são de um período posterior, os anos 1950, quando a industrialização do País promoveu a instalação de fábricas de pastilhas e revestimentos cerâmicos em São Paulo. Di Cavalcanti, como comprovam os mosaicos anteriormente citados, experimentou a técnica e seu trabalho foi integrado à arquitetura moderna, como o de Athos Bulcão serviu aos projetos de Oscar Niemeyer em Brasília. O painel do teatro Cultura Artística é um grande exemplo dessa adaptação ao meio – e também o maior afresco assinado por Di Cavalcanti, medindo 48 metros de largura por 8 de altura, um mosaico de pastilhas de vidro poupado no incêndio que colocou abaixo o teatro em 2008.

Antes de tudo, a exposição de Di Cavalcanti, que reúne 23 obras dispostas em ordem cronológica, de 1925 a 1950 e 1950 a 1976, é quase uma aula sobre a evolução formal da pintura do artista carioca e sua relação com as pessoas do povo que habitam esse universo – pescadores, vendedores ambulantes, baianas típicas, operários, estivadores, prostitutas, boêmios e desocupados. Num caminho diverso ao de Portinari, que parecia empurrado para a modernidade e o cubismo, Di Cavalcanti parece mais genuíno, porque aquele era mesmo o universo que frequentava – mal comparando, ele seria o Manuel Bandeira da pintura e Portinari, Drummond, o poeta bem-comportado.

É curioso que na sala ao lado esteja expondo um artista da comunidade carioca da Rocinha, Maxwell Alexandre. Pardo é Papel, sua primeira individual em São Paulo, é quase um aggiornamento dos painéis de Di Cavalcanti com sua gente do povo, só que em registro diferente, reivindicando para os negros brasileiros um outro papel além da sensualidade e da inclinação para o samba. Enquanto Di acabou reforçando um estereótipo, Alexandre se opõe a ele, evocando figuras da cultura brasileira fora da caixa, como o artista Bispo do Rosário, que passou sua vida internado num hospício, e a ativista política assassinada Marielle Franco, em seus grandes painéis de papel.

Ivo Mesquita cita a crítica de Luís Martins que fala sobre a relação de Di Cavalcanti com os trópicos. “O que há em Di Cavalcanti de intrinsecamente brasileiro, ou melhor, de carioca, o levava a uma interpretação pessoal, a uma espécie de tradução para o mulato das mulheres clássicas e um pouco olímpicas de Picasso, dando-lhes um frêmito, uma malícia e uma indolência que elas não tinham.” Martins se refere à figuração de Di Cavalcanti após seu retorno da Europa, em 1925, o primeiro período modernista do qual a mostra organizada por Mesquita tem belíssimos exemplos (como Serenata e Devaneio, ambas de 1927). Di Cavalcanti pode ter caído numa fórmula, mas impossível negar que era um exímio pintor.

SERVIÇO

DI CAVALCANTI MURALISTA

INSTITUTO TOMIE OHTAKE.

AV. FARIA LIMA 201 (ENTRADA PELA

RUA COROPÉS 88), TEL. 2245 1900. 3ª/DOM., 12H/17H. GRÁTIS. DE 2/6 A 17/10.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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