“Fui preso e fostes me visitar”

A unidade de Pato Branco, da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), teve um vencedor em um concurso literário. Dos 47 recuperandos, seis enviaram textos e dois deles ficaram entre os dez classificados.

Idealizado pelo voluntário Padre Dimas de Paula, que visitou todas as Apacs, e coordenado pelo Gerente de Relações Institucionais da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), Rinaldo Guimarães, sua realização comemorou os 40 anos de martírio do Servo de Deus, Franz de Castro, que morreu em uma rebelião penitenciária quando foi chamado para evitar uma chacina e, por isso, é considerado mártir da Pastoral Penitenciária.

O tema escolhido foi “Franz de Castro, servo de Deus, e a minha conversão”. Ao todo, a FBAC recebeu 303 textos, escritos por recuperandos e recuperandas das APACs. Em geral, os textos falam das experiências de vida e de recuperação, que servem de inspiração para outras pessoas.

As obras passaram por processo de avaliação de uma comissão de jurados composta por voluntários, funcionários e parceiros das APACs e da FBAC. As composições serão todas reunidas e levadas à causa de postulação da beatificação de Franz de Castro. Além disso, dentre eles, 30 foram escolhidos para compor um livro que será publicado em breve e distribuído às APACs.

Os ganhadores foram Fabiana Viana do Vale, recuperanda da APAC de Belo Horizonte/MG (1º lugar); Dênis Rodrigues, recuperando da APAC de Sete Lagoas/MG (2º lugar); e Celso Machado, recuperando da APAC de Pato Branco/PR (3º lugar).

Conforme Camila Ferreira da Silva, educadora social, no início os recuperandos estavam bastante desanimados. “Tivemos que dar um choque de ânimo neles. Eles se animaram, fizeram ótimos textos. Agora estão entusiasmados para participar das remissões por leitura, que consiste em ler um livro por mês e escrever uma resenha sobre ele e se essa resenha for deferida eles conseguem quatro dias a menos na pena”, comenta. “É como se fosse uma injeção de ânimo para as próximas remissões”.

Para Camila, ler os textos foi algo emocionante. “São histórias de vida realmente difíceis, de pessoas que chegaram ao fundo do poço e viram na Apac uma luz no fim do túnel com a valorização humana. A Apac tem esse projeto de transformar a vida das pessoas”, avalia.

Nas próximas semanas, vamos publicar os textos escritos pelos recuperando de Pato Branco. O primeiro será o do 3º colocado, Celso Machado.

Tudo começou com o incentivo dos ‘amigos’ para usar coisas ilícitas, e não posso negar, eu gostei, gostei de entorpecer a mente e fugir da realidade. No entanto, essas atitudes foram se tornando cada vez mais frequentes, e eu fui me envolvendo não só com drogas, mas com o crime também, me enfiei literalmente até o pescoço.

No começo parecia tudo fácil para um adolescente, era semelhante a uma brincadeira, porém conforme os anos iam passando essa tal brincadeira se estendia e o grau de riscos tornavam-se maiores, já não escutava meu pai, muito menos a minha mãe. O dinheiro que ganhava chegava a mim com muita facilidade, pensava que era o dono do mundo, cheio de ‘amigos’ pensava que era impossível tudo o que eu tinha se perder.

Quando completei a maioridade, vi que não era dono do mundo, de certa forma nem de mim mesmo, era dono apenas de uma grande ilusão, fui preso e perdi tudo. Aliás, quase tudo, pois ainda tinha meus pais. O lugar onde eu me encontrava era para ser um centro de reabilitação, mas eu não me reabilitei, fui acolhido novamente pelo crime, mas dessa vez foi muito pior, pois eu me afundei mais ainda.

Meu pai e minha mãe choravam muito, pois estavam perdendo seu filho, e eu, cego e iludido, não pensava neles, só queria saber de correr pelo errado. Até que certo dia fui colocado entre a parede pelos meus pais e minha esposa: ou eu mudava de vida ou então perdia eles. Nesse decorrer foram muitos anos perdidos. Não sei explicar se foi Deus, provavelmente foi, eu consegui sair dessa vida medíocre que é o crime.

Nessa época eu já ouvia falar da APAC pelos outros presos que se encontravam comigo… Aí eu falo novamente de Deus, pois só pode ser, porque minha família comentou que iria fazer um pedido de transferência para a APAC, e novamente Deus me ajudou e aqui estou eu.

Chegando na APAC, fui muito bem acolhido, até mesmo achei estranhos os plantonistas me chamarem de “senhor”. Quando tive minha primeira refeição quase morri comendo, pois fazia tempos que eu não comia uma comida boa. Com o passar dos dias, comecei a ouvir falar sobre Franz de Castro, um advogado que se interessou em ajudar os recuperandos, ele, que dedicou sua vida por essas pessoas, sendo incentivado por uma palavra bíblica, “fui preso e fostes me visitar”.

Eu garanto, qualquer pessoa, independente do seu crime, se ela souber a história de Franz, mudaria seus pensamentos, pois eu já estava mudando quando soube que este homem deu a vida para intermediar uma rebelião, eu me apeguei com essa história, me apaguei ao seu amor e sua luta, me apeguei ao seu amor pelo próximo. A obra de Franz surtiu efeito em muitas vidas e tenho certeza que sua história não acaba aqui, é apenas o começo pela libertação de muitos recuperandos. É com muito agradecimento ao Franz de Castro que digo, hoje sou um homem mudado.

E que o abençoado Franz de Castro esteja descansando em paz com nosso Deus, tenho muito orgulho de sua obra, e mais orgulho ainda por poder fazer parte dela.”

Celso Machado

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