O Tribunal de Justiça do Paraná, por meio da sua 3ª Câmara Cível, apreciou no dia 30.07.2019 a Apelação Cível 8737-81.2014.8.16.0033, relatada pelo desembargador José Sebastião Fagundes Cunha. Trata-se de mais um caso em que o Estado, enquanto gestor de escola pública, não agiu no sentido de impedir o bullying no ambiente escolar.
Consta que a aluna de uma escola havia passado a ser acusada por seus colegas de ter feito sexo oral com outro aluno. Essa acusação era acompanhada de agressões verbais e xingamentos variados, como “chupeteira” e “boqueteira”. Em função da humilhação que passou a sofrer, a aluna deixou de ir à escola por dois dias, na esperança de que, assim, o assunto caísse no esquecimento e as agressões cessassem. Contudo, não foi isso o que se verificou, pois ela continuou sendo vítima dos ataques de seus colegas. A acusação, na verdade, ganhou proporções ainda maiores, pois também foi exposta em redes sociais.
A mãe da aluna procurou então a direção da escola para resolver o problema e a diretora chegou a marcar uma reunião com os pais dos alunos apontados como responsáveis pela difamação. Um dos alunos teria confessado ter sido ele o inventor da história, admitindo que não era verdadeira e comprometendo-se, diante da diretora, a pedir desculpas e a contar a verdade para toda a classe. Contudo, esse arrependimento foi momentâneo, pois nos dias seguintes ocorreram outras agressões verbais contra a aluna. Isso levou mãe e filha a procurarem uma delegacia para elaboração de um Termo Circunstanciado.
Na ação judicial, sustentou-se que as ações difamatórias levaram a abalo psicológico da aluna, que chegou a desenvolver fobia social. Mesmo a troca de escola não teria feito com que as ofensas cessassem, motivo pelo qual a família trocou até mesmo de Estado, indo para São Paulo. Sentindo-se lesada, a aluna requereu uma reparação pelos danos morais suportados em face dos dois alunos que propagaram a história e em face do Estado do Paraná.
O pedido foi julgado parcialmente procedente em primeira instância, condenando-se o Estado do Paraná a reparação por danos morais no valor de R$ 20 mil. Em relação aos dois alunos, o pleito foi julgado improcedente. O Estado do Paraná recorreu e, em seu recurso, sustentou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, a necessidade de demonstração da chamada “culpa de serviço” por atos omissos do Estado, a não responsabilização dos agentes da Administração Pública pelos danos alegados pela aluna, além de aduzir que a escola tomou as medidas cabíveis tão logo soube das agressões.
Ao avaliar o caso, o relator concordou que ao caso não se aplicava o Código de Defesa do Consumidor, pois a atividade não era prestada mediante remuneração. Em relação à omissão do Estado, foi lembrado que ele responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que tenha a obrigação legal de agir. É exatamente esse o caso da guarda de alunos em estabelecimento de ensino durante o período escolar. O Estado tem o dever específico de garantir a integridade física e moral dos alunos sob a sua guarda. Por isso, não é necessário averiguar se houve culpa dos agentes estatais para o evento danoso. Basta o nexo de causalidade entre a ação e o prejuízo suportado. Como as agressões verbais se deram no ambiente escolar e durante as aulas, considerou o relator que o juízo de origem havia acertado ao aplicar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.
O relator aproveitou então para tratar da conceituação do bullying, mencionando inclusive iniciativas como a Lei 13.185/2015, que institui o programa de combate a essa prática, e a necessidade de atuação ostensiva dos profissionais da Educação na prevenção e na inibição do bullying. Sobre o caso específico dos autos, pareceu cristalino ao relator que se tratava da ocorrência de bullying, com violência intencional, repetitiva e injustificada. Cabia à escola gerida pelo Estado agir para que essa violência fosse encerrada.
De tudo o que se observou no processo, porém, concluía-se que a escola não seguiu à risca as diretrizes na Lei de Prevenção ao Bullying, pois se limitou a solicitar que os agressores se retratassem e, ainda, chegou ao ponto de sugerir que a própria vítima trocasse de escola para se ver livre das agressões. Ou seja, além das humilhações que havia sofrido, a escola ainda sugeria que a aluna fosse punida, e não os seus agressores.
Foi ressaltada a ausência de prova de ações pedagógicas da escola para prevenir o bullying e tampouco de orientações após as agressões. Também não houve qualquer apoio psicológico à aluna pela humilhação sofrida. Esse cenário levava à inevitável conclusão de que havia nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano provocado à vítima, a qual precisou trocar de escola e cidade para fugir das agressões. Ora, se é assim, claro estava que havia o dever de reparar os danos da aluna.
O relator ressaltou apenas que, em casos similares de bullying no TJPR, o valor reparatório por danos morais não excedia o teto de R$ 10 mil. Por isso, defendeu a redução para R$ 7 mil, com o que concordaram os pares, passando a ser esse o valor devido à aluna.
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