Aluno muda de escola, mas tem perfil violado

Flori Antonio Tasca

Há casos em que o aluno troca de escola para se livrar de uma situação negativa que ali experimentava e, algum tempo depois, uma situação inesperada faz com que dramas já esquecidos sejam reavivados. Isso pôde ser observado no julgamento da Apelação Cível 1008651-79.2017.8.26.0625, conduzido no dia 05.11.2020 pela 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo relator o desembargador Tercio Pires. 

Trata-se de um aluno que havia sido vítima de bullying na sua escola anterior, situação que lhe trouxe desmotivação e dificuldades de aprendizagem. Houve uma reunião entre a psicóloga do aluno e a coordenação pedagógica da escola, mas isso não teria cessado os problemas, a ponto de, nos meses seguintes, as sessões terapêuticas serem focadas em relatos de bullying, confusões, discriminações e exclusões ocorridas no ambiente escolar, tanto por parte de colegas como de funcionários. As dificuldades de aprendizagem se intensificaram e isso fez com que a família optasse por transferir de escola o aluno.

Na nova escola, o aluno apresentou, de fato, melhora em seu quadro clínico. Contudo, uma situação inesperada emergiria de sua antiga escola e colocaria a perder o avanço psicológico que ele havia apresentado. É que, menos de seis meses após a transferência, ele passou a receber mensagens com impropérios e ameaças de outro aluno da sua antiga escola. Esse aluno o acusava de ter feito postagens ofensivas à irmã dele em uma plataforma interna daquela escola, tendo inclusive lhe passado os prints que comprovavam a alegação. O aluno que havia sido transferido reconheceu que as postagens haviam sido feitas com o seu perfil naquela plataforma, mas alegou que não havia sido ele o autor, pois não estudava mais lá e nem tinha motivo para acessar aquele espaço. Na verdade, ele havia até sido informado de que o seu login seria cancelado após a sua saída.

Imediatamente, ele comunicou a sua família que, por sua vez, entrou em contato com a antiga escola para solucionar o problema e identificar o real autor daquelas postagens. Contudo, a escola teria se mantido inerte, embora várias vezes instada a agir. Isso fez com que a família lavrasse boletim de ocorrência, com oferta de representação criminal. Além de tudo, a situação fez com que o aluno regredisse em seu tratamento psicológico, o que era atestado pela profissional que o acompanhava. Em consequência, ajuizaram também uma ação contra a escola requerendo reparação pelos danos morais provocados.

Em primeira instância, o pedido foi acolhido e a escola foi condenada a pagar reparação no valor de R$ 10 mil. Houve interposição de recurso, no qual a escola sustentou que a vítima do evento é a aluna ofendida e o que dono do perfil é o “principal suspeito”, pois não comprovou a sua não participação no evento e a utilização de seu login e senha era intransferível. Alegou ainda que agiu de forma diligente, com imediata exclusão das mensagens, e que não houve repercussão do fato, por ter ocorrido durante as férias escolares. Afirmou também que o aluno autor da ação tinha problemas de adaptação.  O aluno também apresentou recurso, requerendo a majoração do valor da reparação.

O relator observou que a escola admitiu ter como praxe cancelar o login e a senha dos alunos que se desligam da instituição, o que é feito pelos professores, mas, se um deles se esquecer de fazer o cancelamento, o aluno continua tendo acesso. Também ponderou que a escola não demonstrou interesse na apuração do fato, preferindo responsabilizar o ex-aluno, sendo que havia sido ele quem procurou a escola para resolver o problema. As mensagens foram excluídas sem que se buscasse pelo IP do responsável por elas. Apesar de alegar agilidade e diligência, o relator considerou que havia respostas evasivas e descaso por parte do educandário, considerando, assim, correta a sua responsabilização.

Foi destacada a insistência da escola em afirmar que o aluno não havia comprovado a sua não participação no evento, além da sugestão de que ele tinha problemas de adaptação, como evidência da falta de interesse da instituição em descobrir o autor das mensagens. Lembrou-se da indiferença da escola em relação ao aluno na questão do bullying sofrido por ele e que havia motivado a sua transferência. O relator aproveitou para citar também o relatório de encaminhamento psicológico do aluno, o qual constatava o seu retrocesso comportamental após o que foi chamado de violação do seu perfil na antiga escola.

Diante desse cenário, entendeu-se não apenas que uma reparação era devida ao aluno como, inclusive, ela merecia ser majorada, em relação ao valor fixado na origem. Assim, o relator sugeriu o quantum reparatório de R$ 12 mil, com o que concordaram os demais membros do colegiado.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br

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