Amazônia já possui regiões que emitem mais gás carbônico do que absorvem

Algumas áreas da Floresta Amazônica já passaram a emitir mais dióxido de carbono do que absorvem. É o que mostra um estudo publicado nesta terça-feira, 13, na revista científica Nature. Fatores como o desmatamento causado pelo homem e os efeitos das mudanças climáticas parecem ter influenciado a capacidade do bioma de atuar como um “filtro” de um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa.

O estudo levou em consideração centenas de amostras de ar coletadas na parte mais baixa da atmosfera terrestre, entre 2010 e 2018, e constatou que a parte sudeste da Amazônia se tornou uma grande fonte de emissão de CO2. Durante os últimos 50 anos, as plantas e o solo absorveram mais de 25% das emissões de gás carbônico. Já as emissões aumentaram em até 50%, segundo mostrou a pesquisa publicada ontem.

A pesquisa foi liderada por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Investigação Espacial (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. O estudo também descobriu que as emissões de carbono são maiores na parte oriental da Amazônia do que na ocidental, sobretudo por causa de incêndios.

Nos últimos 40 anos, o leste da floresta sofreu mais desmatamento, aquecimento e estresse hídrico do que a parte oeste, especialmente durante as temporadas de seca. Essa tendência foi observada de forma ainda mais forte na porção sudeste da floresta, segundo a pesquisa.

Mais recentemente, o bioma vem sofrendo aumento dos impactos humanos, com a redução das fiscalizações sobre crimes ambientais que ocorrem na Amazônia. Desde 2019, a gestão Jair Bolsonaro tem sido alvo de críticas no Brasil e no exterior diante da explosão de queimadas e do desmatamento na região. Para combater crimes ambientais, o governo tem apostado em operações militares, mas os registros de perda vegetal continuam altos.

No mês passado, por exemplo, os alertas de desmatamento na Amazônia bateram novo recorde para o período. Dados do sistema Deter, do Inpe, mostram que a área sob alerta de desmatamento foi de 1.062 km2, a maior para o mês de junho desde o ano de 2016. Os últimos quatro meses foram de alta recorde nos alertas de desmate do bioma.

A pesquisa publicada confirma achados anteriores sobre a degradação do bioma. Nos últimos anos, um número crescente de estudos sugeriu que a capacidade da Floresta Amazônica de remover carbono do ar e armazená-lo de forma que não contribua para o aumento das temperaturas globais estava sendo degradada.

Em 2018, um artigo publicado na revista Science Advances alertou que a combinação de desmatamento, mudança climática e queimadas fizeram com que partes da floresta tropical mudassem para savana. “O ponto de inflexão é aqui, é agora”, escreveram os autores, o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e o biólogo americano Thomas E. Lovejoy.

De acordo com os autores da nova pesquisa, os resultados encontrados agora podem ajudar a contextualizar melhor os impactos de interações entre o clima e as populações humanas a longo prazo, assim como o balanço de carbono na maior floresta tropical do mundo.

Desde 1970, as florestas tropicais da região foram reduzidas em 17%, sobretudo para dar lugar a pastagens para a pecuária. Elas geralmente são incendiadas, o que libera grandes quantidades de CO2 e reduz o número de árvores disponíveis para absorvê-lo.

A própria mudança climática também é um fator chave. As temperaturas da estação seca aumentaram em quase 3 ºC em comparação com os níveis pré-industriais, o triplo da média global ao longo do ano.

Ao revelar uma associação entre o desmatamento e as mudanças climáticas em toda a Amazônia, o estudo sugere também que essas interações humanas podem ter consequências duradouras e negativas tanto para o déficit de carbono da região como para a fragilidade de seus ecossistemas.

Espécies

Outro estudo divulgado nesta terça mostrou mais uma faceta da destruição da Amazônia: mais de 10 mil espécies de plantas e animais correm o risco de extinção por causa da devastação da floresta. Produzido pelo Painel Científico para a Amazônia, o relatório de 33 capítulos reúne pesquisas sobre a maior floresta tropical do mundo de 200 cientistas. É a avaliação mais detalhada do estado da floresta e deixa claro o papel vital da Amazônia ao clima.

Segundo o relatório, a contínua destruição causada pela interferência humana na Amazônia coloca mais de 8 mil plantas endêmicas e 2,3 mil animais em alto risco de extinção. Reduzir o desmatamento e a degradação da floresta a zero em menos de uma década é crucial, aponta o relatório, que também pede por um grande reflorestamento em áreas já destruídas.

‘Aceleração do aquecimento global e probabilidade de mais secas na Amazônia’

3 perguntas para Renata Libonati, professora do Depto. de Meteorologia da UFRJ:

1. O que os resultados do estudo indicam para o futuro?

Dado que a floresta, em vez de equilibrar a crise climática, está contribuindo para piorar, isso faz com que a gente tenha cada vez mais uma aceleração do aquecimento global. Essa aceleração vai aumentar a probabilidade de mais secas na região amazônica em temperaturas mais elevadas.

2. Quais são os efeitos colaterais para o Brasil e para o planeta?

Se a Amazônia perder a capacidade de remover o dióxido de carbono da atmosfera, isso pode levar ao aumento da temperatura do planeta. E esse fato, por sua vez, faz com que a região fique mais propensa às secas. Ou seja: cada vez menos úmida. Assim, faz com que haja redução de umidade no Centro-Sul, incluindo a Região Sudeste.

3. O que fazer para evitar um dano maior?

É necessário não apenas conter as emissões de gases do efeito estufa. Diminuir o desmatamento na Amazônia é mais do que urgente. Além disso, um clima mais quente e um cenário de maior desmatamento estão ligados à maior ocorrência do fogo. Onde tem fogo há mais emissão de CO2. Então, para conter esse declínio da Floresta Amazônica como um absorvedor de CO2, precisamos enfrentar de forma séria as mudanças climáticas. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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