Ozon conversa por Zoom com a reportagem do Estadão. A entrevista foi feita na quarta, 2. No dia seguinte, saiu o anúncio dos filmes que concorrem à Palma de Ouro em 2021. Entre eles, o novíssimo filme do diretor. O repórter até trouxe o assunto de Cannes à discussão, mas Ozon foi vago. Falou no passado – “Cannes tem sido uma vitrine importante para meus filmes.” Tout C’Est Bien Passé reúne três mulheres extraordinárias – Charlotte Rampling, Hanna Schygulla, Sophie Marceau. “Escrevi o papel para Sophie. Eu a idolatrava quando jovem. Tem uma cena em Verão de 85 em que a homenageio.”
Verão de 85 está em cartaz no cinema. Sempre atraído pelo tema da morte, Ozon explica por que trocou o título. “Gosto muito do original, mas, na França, o livro foi lançado como La Danse du Coucou e desse, definitivamente, não gosto. Queria chamá-lo Eté 84, mas aí surgiu um problema inesperado. Queria utilizar uma música do The Cure, In Between Days, na trilha, mas Robert Smith me disse que não dava, a canção havia sido lançada em 1985. Preferi trocar o título para garantir a trilha.”
Em sucessivas entrevistas ao Estadão, Ozon sempre disse que faz cada filme contra o anterior. Nesse caso: “Vinha de um filme muito duro e sombrio, sobre a pedofilia na Igreja Católica e seus efeitos devastadores sobre homens que foram abusados por religiosas (Graças a Deus). Queria fazer alguma coisa alegre, luminosa. Aidan Chambers veio em meu socorro. Achei que era o momento certo para adaptar o livro que foi tão importante para mim.” Verão de 85 é sobre dois garotos, Alexis, de 16 anos, e David, de 18. O segundo salva o primeiro de afogamento, tornam-se amigos e algo mais nesse verão inesquecível. Mas, atenção, a morte está à espreita. Sempre esteve no cinema de Ozon.
“Essa presença da morte é que torna a vida urgente para mim. Esse é um filme sobre primeiras coisas, sobre a juventude que vive tão intensamente.” E ele prossegue: “Nos anos 1980, havia muito preconceito na representação da homossexualidade na tela. A aids veio para complicar, e culpabilizar ainda mais. Naquele tempo, não sei se seria possível fazer esse filme. Os atores temiam ser estigmatizados se fizessem papéis de gays. Eu mesmo tive problemas com atores de outros filmes. Felizmente, hoje há uma flexibilização. Não houve problema nenhum com meus jovens atores, Felix Lefebvre e Benjamin Voisin.
Buscava uma dupla que desse química na tela. Eles foram ótimos. Perguntei se haveria problema num beijo entre homens. Nenhum! Essa garotada que curtiu O Azul É a Cor Mais Quente (de Abdellatif Quechiche) e Me Chame pelo Seu Nome é muito menos preconceituosa.” Mas ele reconhece: “Creio que a situação é diferente num país como o Brasil atual”.
Ozon acompanha o que se passa no Brasil? “Bien sûr, é um país pelo qual tenho um fascínio muito grande. E ainda tem a questão da grande floresta. A Amazônia é um bem planetário. Interessa a todo mundo. O que ocorre ali repercute no mundo todo.” O filme, certamente pessoal, tem algo de autobiográfico? “Não, como você diz é pessoal. Nos anos 80, eu era um garoto incerto da minha sexualidade, querendo sair do armário. Nem o cinema, nem a literatura ajudavam. As histórias eram quase sempre sobre conflitos, violência, sofrimento. Nesse contexto sombrio, surgiu o livro luminoso de Aidan. A homossexualidade não era uma tragédia, era uma love story. Os dois garotos se sentem atraídos – ponto.”
Verão de 85 chegou a ser incluído no Festival de Cannes do ano passado, que não houve. Ozon lamentou por seus atores. “Teria dado um grande impulso à carreira deles.” O filme foi lançado em cinemas? “Sim, mas foi atropelado pelo isolamento da pandemia. O importante é que, apesar de todas as dificuldades, Verão de 85 encontrou seu público.” Para Ozon, a exibição em cinemas é fundamental – “Filmei justamente pensando na tela do cinema”. Ele conta como foi seu período de isolamento no ano passado.
“Não fiquei em Paris, mudei-me para o interior, para a campanha, em contato com a natureza. Aproveitei e escrevi bastante, dois novos filmes, o que já foi feito e outro a caminho. Li muito, vi muito cinema, muita TV, mas não as séries. Preferi voltar aos clássicos, aos autores essenciais que nunca deixaram de me inspirar.” O repórter já sabe quem são – de outras entrevistas: Akira Kurosawa e Federico Fellini.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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