Para o tema que vamos abordar nesta semana, em primeiro lugar vamos trazer uma passagem bíblica onde Jesus faz um alerta muito peculiar e que nos diz diretamente para o momento que vivemos, tal texto encontra-se em Lc: 12, 54-56 e diz o seguinte: “Dizia ainda as multidões: Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo dizeis: Vem chuva e assim acontece. E quando sopra o vento do sul, dizeis: Vai fazer calor e isso sucede. Hipócritas, sabeis discernir o aspecto da terra e do céu e por que não discernis o tempo presente”? Tanto no tempo de Jesus, quanto agora, preocupar-se com o futuro era algo comum, até mesmo corriqueiro, ambas as sociedades, isto é, a de ontem e a de hoje, esquecer o presente por ele ser desse jeito e refugiar-se em utopias que um dia “poderão” nos salvar é o que melhor sabemos fazer, deliberadamente fugimos sim do nosso presente.
Mais recentemente, surgiu entre nós Gunther Anders (1.902-1.992), um filósofo brilhante, exímio escritor polivalente, arguto observador da sociedade industrial, foi uma testemunha ocular da destruição civilizacional, especialmente aquela dos seus irmãos judeus massacrados em diversos campos de concentração do período nazista; número exato: seis milhões de mortos, mortos por serem diferentes, mortos apenas por banalidade. Anders notou os vícios profundos enraizados na “alta sociedade”, sociedade essa que se alia ao terror sem o menor escrúpulo, desvia o olhar para as frivolidades e leviandades com um ar de soberba jamais visto, por outras palavras, Anders nos diz que a indiferença é a irmã gêmea da cegueira voluntária que abraçamos sem a menor cerimônia; a servilidade que nos acompanha faz parte do pacote burocrático que se instalou em todos os ambientes.
Ultimamente estamos convivendo com uma nova realidade de terror, escolas e creches sendo invadidas por um ou por vários indivíduos e aí se cometem assassinatos em massa, não importa quem está na frente, ou leva tiro ou facadas ou machadadas, as armas usadas não interessam, famílias inteiras choram os seus anjos que foram covardemente atacados e mortos, pais e mães que nunca mais poderão acompanhar o crescimento de seus pequenos, só lhes restará a lembrança na mente, algumas fotos e quem sabe um ou outro vídeo. Um detalhe que chama a atenção é que nossas escolas foram construídas imaginando-se que ali é um lugar acima de qualquer suspeita para alguém vir atacar, por onde quer que andemos vemos ambientes escolares desprovidos da segurança mínima; nunca se imaginou que outras crianças ou adolescentes teriam capacidade para ir aí matar.
Terrivelmente temos então que admitir que o inimigo de vidas inocentes está em todas as partes, adquiriu a capacidade sem igual de se camuflar e penetrar nos variados ambientes de modo sorrateiro, quase inocente, somos cada vez mais mestres em obedecer cliques computacionais, em delegarmos funções para as máquinas e esquecemos que tem um mundo à nossa volta que precisa da nossa capacidade imaginativa e colaborativa; a sociedade no todo se tornou um campo fértil para a prática de todos os tipos de monstruosidades, especialmente para com os mais vulneráveis. Tem perdido espaço entre os humanos a inteligência natural, aquela que durante milênios foi responsável pelo crescimento humano (embora essa inteligência tenha tido suas quedas), por outro lado temos dado espaço sem consciência para o advento e crescimento da inteligência artificial.
A sociedade técnica produz elementos de indescritível beleza, extremamente úteis para a solução de diversos problemas, mas ao mesmo tempo que essa sociedade dita técnica conserta algumas realidades, deixa vulnerável outras, abre janelas perigosas para que o mal floresça na sua forma mais abjeta, os assassinos dos vulneráveis são filhos da técnica suja, técnica essa que torna seus operadores emocionalmente imaturos, sem consciência e capacidade alguma para pensar, esses assassinos que constroem jogos para mentes indefesas para que usem os mesmos, não estão nem aí para o que vai acontecer e são justamente esses construtores assassinos que a nossa gloriosa polícia precisa pegar, são esses inescrupulosos que não são nada ignorantes precisam ser detidos; a técnica quando mal empregada torna-se um empreendimento de magnitude ímpar no quesito vida.
Bioeticamente, tanto o maior Mestre, Jesus, quanto Gunther Anders, por vias bem diferentes nos pedem que estejamos atentos ao momento presente, o que aconteceu ontem pode acontecer hoje sem a menor cerimônia, por isso sugerem muito que imaginemos, criemos e sintamos que é possível um outro modo de existir, há em nosso meio rostos muito conhecidos e outros tantos milhares de desconhecidos, num e noutro podem morar a barbárie da desumanização; Anders em suas entrelinhas diz claramente que o mundo está virando uma máquina e que também cada um de nós está em vias de tornar-se uma máquina a mais, sem sentimento, fria, meramente calculável no sentido de quem vive ou morre. Tanto os assassinos técnicos criadores, quanto seus discípulos operadores de tragédias, são vítimas da não neutralidade técnica, só chegaram onde chegaram pela nossa submissão quase angelical, tornamo-nos especialistas em saber tudo de absolutamente nada; que entre nós então não “dominem o soberbo silêncio e a soberba alegria da cultura”.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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