Temos hoje um documento brilhante chamado Declaração Universal dos Direitos Humanos, datado de 10 de dezembro de 1948, ele é antigo sem dúvida, mas bastante atual sob muitos aspectos, uma pena que ele não foi sendo aprimorado ao longo das décadas seguintes, haja vista que a sociedade mudou drasticamente, a vida no seu todo sofreu e vem sofrendo transformações profundas, essa declaração por mais brilhante que possa parecer, ela vislumbrou apenas e tão somente o ser humano e suas relações variadas, seja com o outro ou com seu meio social. Quando ela é lida ao pé da letra, nota-se um total esquecimento da relação ser humano com o meio ambiente, estranho tal omissão, pois todos sabiam que até ali (1948), o meio ambiente havia sofrido várias interferências humanas, muitos sabiam que dali para frente nada e ninguém seria como era antigamente.
A consciência em relação à degradação do meio ambiente, bem como à crise climática, levou bastante tempo e ainda podemos dizer que ela é apenas parcial, algo distante da maioria das nossas prioridades, embora tenhamos ao nosso redor muitos sinais incontestáveis de destruição, mortes e consequências devastadoras para todos por longos períodos de tempo. Prevenir desastres, não é e nunca foi prioridade em terras brasileiras, por aqui entende-se que prevenir é um gasto desnecessário, supérfluo e antiquado, tudo isso e muito mais atrasa em demasia o “progresso”, atrapalha nossa caminhada rumo ao “futuro promissor” que nunca chega por aqui. Nossa Carta Constitucional, de 1988 ainda é tímida ao tratar da sociedade, do meio ambiente, da segurança que cada um de nós merece ter; ontem como hoje somos desafiados por todos os lados, a vida corre solta, sem amarras.
De modo quase invisível e desapercebido, veio à tona os cinco anos do acidente em Brumadinho-MG, quando se rompeu uma barragem, de uma das maiores empresas mineradoras do país e do mundo, uma tragédia que já ceifou duzentas e setenta e duas pessoas e deixou um rastro de violência ambiental jamais vista em lugar algum. Um evento já anunciado por muitos, pois a segurança dessa represa e de tantas outras espalhadas pelo país é praticamente zero, por outras palavras, tira-se desses lugares o que há de melhor que a natureza pode oferecer para a humanidade, mas são bem poucos aqueles que usufruem disso, a maioria sempre esmagadora carrega consigo o medo, os riscos constantes, resumindo: partilha-se a tragédia e a dor, dividem-se as despesas entre os mais fracos e o lucro entretanto jamais é repartido como deveria ser, assim é o sistema vigente.
Brumadinho-MG, sabe muito bem, o quanto foi castigada pela mesquinhez humana, essa sempre travestida de boas intenções e uma ordem social satisfatória para todos, somente a população dessa cidade sabe a dor que ainda estão passando, as centenas de mentiras que lhes foram contadas ao longo do tempo, que tudo seria resolvido o mais rápido possível e a vida voltaria a sua “normalidade”. Brumadinho-MG, nunca mais será a mesma, seus direitos humanos mais fundamentais foram para todo sempre violados, jogados na lata do lixo mais sórdido que a natureza humana pode criar. Dia 25 de janeiro de 2020, 12h28ss, cada um de nós em certo sentido foi violentado por essa tragédia, cada um de nós pode perceber o quanto a nossa vida é frágil diante de empreendimentos gigantescos levados à cabo com a finalidade única de gerar lucro, sem ter em conta toda a teia da vida.
Bioeticamente, a tragédia de Brumadinho-MG, não aconteceu apenas no dia 25 de janeiro de 2020, 12h28ss, ocorreu antes em tantos outros lugares e continua hoje a acontecer em outras regiões do país, para a nossa curta memória, bom trazermos à tona o dia 05 de novembro de 2015, município de Mariana-MG, são testemunhas únicas e oculares do quanto o atual modelo de desenvolvimento é insustentável, criminoso e acima de tudo, traidor por onde quer que ele passe. Tragédias como essas deveriam causar em nós uma reflexão profunda de como estamos tratando a natureza, de como vemos e sentimos a vida em nós mesmos e em nosso redor. Essa empresa mineradora, culpada em todos os sentidos nesse e em tantos outros crimes, deveria ter reparado todo o mal que fez e ter sido extinta imediatamente, expulsa do nosso país, pois ela afronta de morte tudo e todos.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com
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