Apoiado por juízes para vaga no STF, Giannotte defende voto impresso e cloroquina

Correndo por fora na disputa pela vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do decano Marco Aurélio Mello, marcada para 12 de julho, o juiz Mirko Vincenzo Giannotte, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, é a aposta da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) para assumir a cadeira.
A indicação cabe ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que ainda precisa cumprir a promessa de escolher um candidato ‘terrivelmente evangélico’ para compor a Corte. Ano passado, Bolsonaro fez sua primeira nomeação ao STF e designou o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, para a vaga remanescente com a aposentadoria de Celso de Mello. O escolhido estava fora do radar da imprensa e, apesar de conservador, é convertido ao catolicismo.
Em entrevista ao Estadão, Giannotte aparenta estar alinhado ao perfil sinalizado por Bolsonaro. “Me defino como conservador, porque como cristão e tenente a Deus eu acredito que a ordem das coisas, a ordem do mundo está nos valores de essência: família, moral e bons costumes. Depois esse ponto faz um pouco de conexão com as boas interpretações do Direito. Sou legalista, sou garantista”, explica.
Embora já tenha se encontrado pessoalmente com o presidente em Brasília, os dois nunca conversaram sobre a indicação. Bolsonaro tem nomes mais próximos na manga: o do Advogado Geral da União, André Mendonça, que é bispo presbiteriano, e do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça.
“Estive com o presidente, mas não de maneira direcionada a isso. Quando você está em Brasília, muitas vezes você frequenta locais onde você tem a oportunidade de apertar a mão do presidente e, muitas vezes, o presidente saber o que vem sendo pretendido. Mas não eu com ele sobre esse assunto, ainda. Mas, claro, a gente crê nessa pauta”, conta o juiz.
Além da credencial evangélica, o magistrado se mostrou alinhado a outras pautas caras ao presidente: como a defesa do voto impresso e a possibilidade de uso da hidroxicloroquina para tratar pacientes com covid-19.
O voto impresso é uma bandeira do presidente desde os tempos de deputado. Na prática, o sistema não substituiria as urnas eletrônicas, que já são auditáveis, mas geraria uma espécie de comprovante físico dos votos para recontagens manuais, o que representaria um custo aos cofres públicos na ordem de R$ 2,5 bilhões ao longo de dez anos. A defesa da proposta costuma vir acompanhada de declarações que colocam sob suspeita o sistema eleitoral eletrônico – o presidente já disse ter provas de fraudes que lhe tiraram uma vitória em primeiro turno em 2018. Até hoje, porém, não apresentou qualquer evidência. Giannotte vai na mesma linha: “A impressão do voto nada mais é do que um back-up. Eu sou favorável à mudança”, disse ao blog.
O juiz também afirmou que, se recebesse prescrição médica para tomar hidroxicloroquina em caso de infecção pela covid-19, ele não hesitaria. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já concluiu que o medicamento é ineficaz para tratar pacientes com a doença.
“Eu não posso entrar dentro de um consultório médico para investigar um problema de saúde e querer que aquele problema seja dado e diagnosticado como aquilo que eu quero. Eu não sou médico, então eu entrego”, afirmou. “Se, com o covid, me fosse indicado o tratamento da hidroxicloroquina, eu sim tomaria. Isso é uma verdade e eu não arredo o pé disso”, prosseguiu.
Como magistrado, Giannotte deu liminares para acabar com o toque de recolher e para flexibilizar o horário de funcionamento de bares e restaurantes. Para o juiz, apesar da autonomia conhecida pelo STF a governadores e prefeitos para decretar medidas de isolamento social na pandemia, O Judiciário deve coibir ‘excessos’ caso seja acionado.
“Se alguém se concentrar com outras de pessoas dentro de um estabelecimento comercial, um restaurante, um bar ou similar, e alguém chega e fala: “a cozinha está fechada, o senhor quer mais alguma coisa, porque nós vamos encerrar tudo às 22 horas?”. É a mesma coisa que me dissessem: “nós temos que sair rápido daqui, porque daqui a pouco o vírus chega”. E não é assim. O vírus está no mundo, está no ar. Então eu entendi que as medidas de biossegurança é que deveriam imperar”, defendeu.
“Os Estados e municípios ficaram com esse poder de regular local e territorialmente, entendo que isso é salutar. Mas vou reforçar: caso seja necessário que o Judiciário se manifeste, provocado por qualquer um que venha a entender como tendo excessos, é claro que o Poder Judiciário vai interferir”, complementou.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA:
O Sr. se define como conservador. Pode explicar melhor?
Na verdade eu me defino como conservador, porque como cristão e tenente a Deus eu acredito que a ordem das coisas, a ordem do mundo está nos valores de essência: família, moral e bons costumes. Depois esse ponto faz um pouco de conexão com as boas interpretações do Direito. Sou legalista, sou garantista.
O Sr. se enquadra no quesito terrivelmente evangélico?
Sou evangélico, mas sem a menor sombra de dúvidas esse ‘terrivelmente’, o presidente, na minha opinião, como é uma pessoa que se aproxima muito do explicar ao povo brasileiro, acho que a conotação que ele quer dar é exatamente esse de uma pessoa que é tenente a Deus, muito ligada à preservação da família, da moral e dos bons costumes.
Se fosse escolhido para a vaga do STF, como se posicionaria em relação às chamadas ‘pautas de costumes’, como aborto e legalização das drogas?
Eu sou contra o aborto e, claro, eu observo essa questão da exceção no caso de estupro. Mas nada impede que amanhã ou depois eu reveja esse meu conceito e me torne, talvez, de maneira 100% contra o aborto.
Com relação às drogas, nós precisamos definir. Eu sou a favor de que extratos e substratos da cannabis sativa sejam usados para finalidade medicinal. A maconha é uma outra coisa, não sou a favor.
Por que o presidente deveria escolher o Sr. para a vaga no STF?
Eu não tenho essa avaliação de que ele deveria me escolher. Eu tenho uma noção de que existem outros nomes, que acredito que sejam bons nomes. Eu tenho que, como juiz estadual, a Justiça Estadual é aquela que proporciona o Direito mundano, cotidiano – questões de família, as relações de Direito. E também eu, como juiz de Vara de Fazenda Pública, tenho sempre, para minha apreciação, processos que vão de encontro àquilo que ocorre no STF: tributações, crimes contra a ordem tributária, improbidade administrativa. Uma das coisas que eu acho interessante é essa questão de você não ter, dentro do Supremo Tribunal Federal, muitos juízes. Nós temos advogados, procuradores, advogados de Estados e a minoria são juízes de carreira. Seria muito importante que nós pudéssemos ter essa composição harmonizada.
O Sr. recebeu alguma sinalização do presidente de que o nome do senhor é cotado para a vaga? Vocês chegaram a conversar ou a se encontrar pessoalmente?
Ainda não é o momento. Estive com o presidente, mas não de maneira direcionada a isso. Quando você está em Brasília, muitas vezes você frequenta locais onde você tem a oportunidade de apertar a mão do presidente e, muitas vezes, o presidente saber o que vem sendo pretendido. Mas não eu com ele sobre esse assunto, ainda. Mas, claro, a gente crê nessa pauta.
Como avalia as mudanças aprovadas na Câmara para atualizar a chamada Lei de Improbidade?
As minhas avaliações ficam dentro do campo acadêmico. Eu não posso, como juiz, pela Lei Orgânica da Magistratura, me manifestar no caso concreto. Toda lei ela nasce, ela emana, e é colocada em prática. E, lógico, somente a prática vai propiciar para que a gente realmente tenha uma avaliação em definitivo. O Congresso está aí para isso mesmo, o povo o escolhe para, a qualquer momento, termos inovações e mutações nas leis.
Por que o Sr. desativou as contas nas redes sociais? Tem alguma relação com a disputa?
Instagram é uma coisa que eu não tenho há muito tempo. Minha filha é que na verdade mexe para mim. Com relação ao Facebook, salvo engano, eu ainda tenho um Facebook o qual eu perdi a senha, também não me preocupei.
O Sr. deu liminares para acabar com o toque de recolher e para flexibilizar o horário de funcionamento de bares e restaurantes, além de ter se posicionado contra o fechamento de igrejas e templos religiosos. Teria ficado vencido nos julgamentos do STF que deram autonomia a governantes locais para determinarem medidas de isolamento social e para proibirem cultos e missas na pandemia?
Uma das primeiras decisões, se não a primeira decisão em termos comuns, de juiz estadual, foi dada por mim lá no mês de março do ano passado, aonde eu fiz uns balizamentos e não determinei que fossem fechados os templos e nem mesmo as igrejas. Na época, eu fiz a opção por aquilo que eu chamei de ‘agenda do bom-senso’. As decisões ainda eram baseadas de exemplos recém ocorridos.
Depois de um ano e pouco, eu entendi que o vírus ele tem que ter uma quebra de ciclo – 14 a 16 dias. Eu sempre defendi que o lockdown deveria ser, não uma coisa proporcional, eu entendi que as medidas de biossegurança são mais importantes do que qualquer coisa, salvo se nós tivéssemos uma interrupção total e geral de 14 a 16 dias para quebrar aquele ciclo.
Agora, se alguém se concentrar com outras de pessoas dentro de um estabelecimento comercial, um restaurante, um bar ou similar, e alguém chega e fala: “a cozinha está fechada, o senhor quer mais alguma coisa, porque nós vamos encerrar tudo às 22 horas?”. É a mesma coisa que me dissessem: “nós temos que sair rápido daqui, porque daqui a pouco a vírus chega”. E não é assim. O vírus está no mundo, está no ar. Então eu entendi que as medidas de biossegurança é que deveriam imperar. O Poder Judiciário está lá por princípio constitucional da inafastabilidade e, pelo direito constitucional subjetivo da ação, qualquer um pode entrar pedindo o que quer que seja e o juiz esta lá exatamente para decidir. Foi o caso de a gente entender, diante do pedido do caso concreto, por extirpar alguns excessos entendidos como presentes.
O Supremo foi muito inteligente. São diferentes formas de atuar e pensar, por climas e culturas diversas. E aí os Estados e municípios ficaram com esse poder de regular local e territorialmente, entendo que isso é salutar. Mas vou reforçar: caso seja necessário que o Judiciário se manifeste, provocado por qualquer um que venha a entender como tendo excessos, é claro que o Poder Judiciário vai interferir.
O Sr. teria votado para referendar a liminar do ministro Barroso que mandou o presidente do Senado instalar a CPI da Covid? Como vê os trabalhos da comissão parlamentar?
No caso concreto, eu não posso me manifestar. Eu vejo os trabalhos da comissão como cidadão, as comissões parlamentares de inquérito são previstas e são os representantes do povo. Se abriram, ela tem que terminar. Os trabalhos, depende quem os conduz.
O decano Marco Aurélio Mello, de quem o senhor pode herdar a cadeira, disse na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que o negacionismo do presidente contribuiu para a falta de vacinas e os mais de meio milhão de mortes pela covid registradas no Brasil. O Sr. concorda com a afirmação?
O que eu acho é que nós tivemos uma pandemia. Nós tínhamos algo novo, que não tinha uma vacina. É uma doença que não vem com bula, nós temos diversos tipos de reações. Havia uma demanda desesperadora por vacina no planeta inteiro. E não é uma vacina que nós encontramos em qualquer farmácia de manipulação. São situações que nós não podemos jamais atribuir um presidente da República como culpado. Não digo presidente Jair Messias Bolsonaro, eu digo qualquer Presidente da República, a ele não poderia ser atribuída uma culpa única e exclusiva sobre a questão da vacina.
Em uma entrevista recente o Sr. falou que tomaria cloroquina. Foi um aceno ao presidente ou realmente defende o uso de um medicamento comprovadamente ineficaz para tratar a doença?
Eu não faço nenhum aceno ao presidente, eu faço um testemunho à realidade dos fatos. Eu não posso entrar dentro de um consultório médico para investigar um problema de saúde e querer que aquele problema seja dado e diagnosticado como aquilo que eu quero. Eu não sou médico, então eu entrego. Eu não ouço dizer que a hidroxicloroquina é totalmente ou comprovadamente ineficaz. O que eu ouço dizer é que ela não é comprovadamente eficaz, mas nós temos estudos de diversas espécies. Inclusive existem as críticas mundiais de que as vacinas também não são comprovadamente eficazes no seu 100%. Agora, sim, respondendo à sua pergunta. Se, com o covid, me fosse indicado o tratamento da hidroxicloroquina, eu sim tomaria. Isso é uma verdade e eu não arredo o pé disso.
Como ministro do STF, o Sr. poderia ser eleito presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Concorda com a proposta de voto impresso?
O Brasil não é o único país do mundo que tem urnas eletrônicas. A proposta é ainda a sobrevivência do voto eletrônico, porém com o resultado impresso para que amanhã ou depois se possa auditar ou verificar. A dinâmica de votação será a mesma. Se alguém amanhã ou depois quiser que nós apontemos aonde está uma eventual falha, uma eventual fraude na votação, nós infelizmente não temos como fazer isso. A impressão do voto nada mais é do que um back-up. Eu sou favorável à mudança.
Pesquisando o nome do Sr., diversas matérias remetem ao contracheque de R$ 503,9 mil em 2017 – o que na época correspondia a 536 salários mínimos. Pode rememorar o que houve na ocasião?
Vamos frisar que é, antes de mais nada, um contracheque. Durante 10 – 13 anos houve um pagamento a menor daquilo que nos era devido a 83 juízes do Estado do Mato Grosso. Quando apareceu esse pagamento, a rubrica dele era rubrica de salário. E aí o Portal da Transparência não estava preparado para fazer uma distinção. No portal constava salário, aí veio o salário daquele mês mais o pagamento desta dedução que foi feita ao longo de década. O salário era o salário condizente condizente com aquilo que se paga para um membro do Poder Judiciário naquela minha classificação.
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