Após celebrar vitória, Taleban começa difícil tarefa de governar Afeganistão

O fim de duas décadas de ocupação estrangeira no Afeganistão foi celebrado com tiros para o alto na madrugada de Cabul. Era o aviso de que o Taleban agora controla o aeroporto da capital, após a retirada dos últimos soldados americanos. Após a comemoração, porém, vem a parte mais difícil: governar um país em frangalhos, isolado diplomaticamente e com pouca ajuda internacional.

“Felicitações ao Afeganistão. Essa vitória pertence a todos nós”, disse Zabihullah Mujahid, porta-voz do Taleban. “Essa é uma grande lição para outros invasores e para nossas futuras gerações. É um dia histórico, um momento histórico e estamos muito orgulhosos.” Hekmatullah Wasiq, um dos líderes do grupo, anunciou o controle total da capital. “O Afeganistão está finalmente livre”, disse.

Ontem, os combatentes retiraram quase todos os postos de controle no caminho para o aeroporto – apenas um foi mantido. Líderes do Taleban caminharam vitoriosos pelos hangares, posaram diante dos cargueiros C-130 abandonados e tiraram selfies nas cabines dos helicópteros destruídos pelos EUA, em cenas que atestavam o novo capítulo que começou no Afeganistão.

O grupo, no entanto, está diante da missão mais complicada: governar. Quando o último voo americano decolou de Cabul, ainda na segunda-feira, horas antes do prazo para a retirara completa das tropas, estabelecido pelo presidente dos EUA, Joe Biden, o Taleban deixou de ser um movimento insurgente e passou a controlar um país de 40 milhões de habitantes sem reconhecimento internacional, que precisa de ajuda, mas não tem acesso ao sistema financeiro global.

Agora no comando, o Taleban também terá de enfrentar a ameaça do Estado Islâmico e sua facção afegã – o Isis-K -, responsável pelo atentado da semana passada no aeroporto da capital, que matou 13 soldados dos EUA e quase 200 afegãos. Desde a queda do governo, os preços dos alimentos básicos dispararam, a moeda desvalorizou e o sistema bancário está paralisado, com saques limitados a US$ 200 por semana e longas filas na porta das agências. O principal mercado cambial de Cabul, o Saray Shahzada, permanece fechado.

Em risco. O fornecimento de serviços básicos como eletricidade está ameaçado porque muitos funcionários públicos não voltaram ao trabalho. Os EUA congelaram as reservas internacionais do governo afegão e o Fundo Monetário Internacional bloqueou o acesso do Afeganistão às reservas de emergência.

“Hoje, quase metade da população – cerca de 18 milhões de pessoas – precisa de ajuda humanitária para sobreviver”, disse ontem António Guterres, secretário-geral da ONU. “Um em cada três afegãos não sabe de onde virá sua próxima refeição. Espera-se que mais da metade de todas as crianças menores de 5 anos se torne gravemente desnutrida no próximo ano. As pessoas estão perdendo acesso a bens e serviços básicos todos os dias.”

As condições devem piorar muito nas próximas semanas, com os estoques de comida se esgotando até o fim de setembro, segundo Ramiz Alakbarov, coordenador humanitário da ONU para o Afeganistão. “Em Cabul, podemos estar à beira de uma catástrofe humanitária urbana”, disse. “Os preços estão em alta. Não há salários. Em algum momento, milhões de pessoas entrarão em desespero.”

Enquanto isso, a nova guerra do Taleban é pelo reconhecimento externo. Os EUA e alguns aliados, incluindo Reino Unido, Alemanha e Índia, fecharam suas embaixadas. No entanto, Paquistão, China, Rússia, Irã e Turquia, que é membro da Organização do Tratato do Atlântico Norte (Otan), mantiveram presença diplomática na capital afegã – embora eles não reconheçam formalmente as autoridades do Taleban, seus diplomatas estão em contato frequente com o grupo.

Moderação

Diante da necessidade de ajuda, o Taleban vem emitindo sinais de moderação. Desde que assumiram o poder, o grupo se esforça para passar uma imagem conciliadora e garantiu que não aplicará represálias contra as pessoas que trabalharam no governo anterior. “Queremos boas relações com os EUA e com o mundo”, afirmou ontem Mujahid.

Saad Mohseni, proprietário da Tolo, maior emissora de TV do Afeganistão, enfatizou os enormes obstáculos que o Taleban enfrenta, incluindo ganhar o apoio da população afegã.

“A expectativa das pessoas aumentou após os últimos 20 anos de liberdade e a parte mais difícil ainda está por vir”, disse. “O Taleban se integrará ao mundo com uma abordagem mais inclusiva? Ou eles vão voltar ao passado?”. (Com agências internacionais)

você pode gostar também

Comentários estão fechados.