Todos nós, de norte a sul carregamos uma história, todos nós fazemos parte de uma mesma casa comum, todos nós de alguma maneira estamos ligados pelas mesmas coisas, em qualquer lugar, a qualquer hora vemos e ouvimos sinais seja da natureza, seja dos humanos, impossível se desconectar da vida que pulsa em todos os cantos, nas condições mais imprevisíveis que podemos imaginar, hoje mais do que nunca parece que andamos a esmo, apesar de tantas luzes, temos a impressão de estarmos no escuro, sem pontos de referência, a era dos impasses, dos incontáveis labirintos pelos quais nos embrenhamos, é o tempo dos algoritmos que dizem e decidem o que presta e o que é descartável; muitos numa ingenuidade colossal sonham com um mundo totalmente regido por máquinas, mas essas são frias, não tem humanidade, quando muito elas podem apenas nos tirar do jogo.
Nos forçam a exaustão a sonharmos com o absurdo, mesmo quando a realidade nua e crua à nossa frente desmente categoricamente tais sonhos, isso acontece todos os dias e de modo muito especial por ocasião de grandes eventos, somos profanados, somos todos em maior ou em menor escala envenenados por megalomaníacos, perdemos noventa minutos para torcer por determinado time e no fim uma decepção monumental; ao invés do brilho das jogadas, dos passes geniais que culminam em gol, brilham brincos e correntes, jogos medíocres, atletas piratas sem bandeira, preocupados apenas e tão somente com o seu mundo supérfluo. Nossas queridas crianças pagam um preço muito alto, além das suas forças, pela completa incompetência de adultos mimados, imbecis especializados em coisa alguma; temos muito que aprender ainda, enxergar muito além das aparências, não à tolice.
Aqui trazemos o problema da responsabilidade, palavra maltratada, dita, escrita, editada e reeditada justamente por muitos que não tem responsabilidade com coisa alguma, exceto consigo mesmos, seu mundo vazio, sem cor, sem vida; o antropoceno consegue por sua força na transformação do Planeta, cria mil artifícios para tentar nos provar que o humano, meramente humano levado ao extremismo máximo consegue tirar da Terra, o que ela tem de melhor, se é que ela ainda possui coisas boas. A força descomunal chamada antropoceno tenta por todos os meios artificializar nossas relações, é comum escutarmos disparates em profusão sobre tudo, os mais sensatos se perguntam: O que virá depois do antropoceno? De tanto vermos e ouvirmos as máquinas, ingenuamente podemos acreditar que elas são sim nossas amigas; nossas cabeças nas nuvens, nossos pés em lugar algum.
De algum modo o humano está em perigo, não se trata de ir contra as máquinas, contra a técnica ou contra o progresso, importante é não desistirmos de sermos humanos, importante é termos consciência de que o progresso que aí está, a técnica que domina quase todos os setores da vida, as máquinas “fantásticas”, não eliminaram os problemas corriqueiros das nossas existências, elas não foram capazes de nos dar a tão sonhada paz, o merecido descanso, é cediço que em muitas situações elas multiplicaram por dez as nossas necessidades, os nossos afazeres, uma luta encarniçada pela sobrevivência. Ultimamente temos sido fiéis a quase nada, parar para analisar a situação do momento é tido como doença, uma fraqueza de caráter, mas o contrário também pode ser verdadeiro, lutar por mais e mais serve para que? A quem isso interessa? Quem está tendo benefícios?
À medida que os anos passam, temos a impressão que nosso tempo pessoal se esvai, escorre pelas mãos, ele anda de forma inexorável, nem demais, nem de menos, tem a sua velocidade própria, se prestássemos bem a atenção iríamos perceber que no seu silêncio o tempo é um grande educador, ele nos alerta, nos manda muitos sinais, o homem foi capaz de pisar na lua, mas também foi capaz de destruir Hiroshima e Nagasaki em 1945 de maneira aterradora e que muitos temem que aquele pesadelo possa ocorrer novamente, haja vista a criminosa invasão russa na Ucrânia, prestes a completar um ano. Na esteira dos acontecimentos, os direitos humanos fundamentais, aqui e acolá passam por sérias provações, diga-se os direitos mais elementares dos seres para viverem dignamente; precisamos de direitos, mas também precisamos nos comprometer com os muitos deveres.
Bioeticamente, enquanto servos, damos uma atenção desmedida para tudo aquilo que pode nos colocar em perigo e que muitos sem o devido esclarecimento acreditam ser a nossa salvação, precisamos voltar nossa atenção para o humano, esse sim apesar das imperfeições que carrega é o que pode salvar o Planeta e as demais espécies que também correm perigo. Algoritmizar a vida, é selecionar quem pode isso ou aquilo, lentamente temos a impressão de que caminhamos rumo a uma nova seleção das espécies e todos minimamente informados sabem onde a humanidade foi parar quando assinou um cheque em branco dando poderes ilimitados e também escusos à racionalidade instrumental. O novo tempo que apenas está engatinhando pode ser muito promissor, como também pode ser aquele que carrega armadilhas insuspeitáveis para todos, podemos estar até meio que convencidos de que os algoritmos poderão fazer grandes coisas, essa crença é ainda muito incipiente, precisa ser melhor estudada, não fiquemos apenas com a luz que deles emana.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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