A aproximação incomodou o PSDB, no momento em que tucanos organizam prévias para a escolha do concorrente à Presidência, e causou preocupação no Palácio do Planalto. Diante das dificuldades para a construção da chamada terceira via, Lula se apresenta como um candidato moderado, que deseja atrair o centro político, faz acenos à direita e tenta quebrar resistências no empresariado.
A ideia do PT é criar uma frente que reúna vários partidos e setores da sociedade contra Bolsonaro. Na conversa de três horas, Lula e FHC abordaram a gravidade da crise provocada pelo coronavírus (e a CPI da Covid no Senado), o “descaso do governo no enfrentamento da pandemia”, frase usada pelo petista, e as dificuldades no campo econômico.
“A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio”, postou Lula nas redes sociais, com a foto do encontro.
O Estadão apurou que o momento de divulgar o encontro e até o texto postado nas mídias digitais foi combinado entre FHC e Lula. A reunião estava sendo articulada há mais de um mês e foi considerada “amistosa” pelas duas partes. Na terça-feira, 18, seis dias depois do encontro, FHC classificou Lula como “um democrata”, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo. Ao jornal Valor Econômico, no dia 14, e à Rádio Eldorado, nesta semana, FHC reiterou a disposição de votar em Lula caso ele dispute o segundo turno contra Bolsonaro.
“Continuo buscando uma terceira via entre Bolsonaro e Lula. Se possível, no PSDB. Se essa não acontecer, não vou deixar meu voto em branco”, disse FHC à Coluna Direto da Fonte.
Sinais trocados
A reunião na casa de Jobim foi criticada pela cúpula do PSDB, que mostrou apreensão com os “sinais trocados” embutidos na divulgação do almoço. O partido tem quatro pré-candidatos à sucessão de Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. As prévias para escolher quem representará a sigla estão marcadas para 17 de outubro, mas há um movimento para adiá-las.
“Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB. Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos”, avaliou o presidente do PSDB, Bruno Araújo. “De toda forma, precisamos evitar sinais trocados a nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira.”
Sem citar os ex-presidentes, Bolsonaro aproveitou uma cerimônia no Maranhão, ontem, para dirigir xingamentos aos rivais. “Falando em política, para o ano que vem já tem uma chapa formada: um ladrão candidato a presidente e um vagabundo como vice”, afirmou ele.
Adversários, mas não inimigos, FHC e Lula vinham se estranhando há tempos. O tucano nunca perdoou o petista por dizer que encontrou uma “herança maldita” quando assumiu a Presidência, em 2003. Lula, por sua vez, nunca se conformou com o fato de o PSDB ter apoiado o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e de FHC não ter saído em sua defesa quando ele foi alvo da Lava Jato.
Desde que o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações impostas a Lula, interlocutores do PSDB e do PT tentam aproximar os dois líderes, sob o argumento de que é preciso construir um campo de “democratas” para enfrentar Bolsonaro. Um dos entusiastas da ideia é justamente Jobim, ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça de FHC e da Defesa nos governos de Lula e Dilma.
“Conversar com todos é premissa de quem deseja o fim do ‘nós contra eles’, algo que foi, inclusive, muito incentivado pelo PT, mas eu não aceito que o Brasil ande para trás. Confio que o ex-presidente Fernando Henrique também não”, disse Eduardo Leite. Aliados de Doria disseram ao Estadão que ele ficou aborrecido ao saber do encontro. O governador, porém, não quis se manifestar.
“Nossa principal missão hoje, talvez a mais importante, é parar o clima de ódio nesse País. O diálogo e a aceitação da divergência devem ser permanentes. Entendo esse gesto do ex-presidente Fernando Henrique nessa direção”, destacou Tasso Jereissati. Arthur Virgílio foi na mesma linha. “Achei uma tempestade em copo d’água essa polêmica toda. Política a gente faz com calma, frieza e a objetividade de chegar ao poder. O partido tem de se encontrar”, insistiu Virgílio.
Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), um dos articuladores da terceira via, o encontro entre FHC e Lula reflete a “falta de clareza” do PSDB. “Mas a visão de país do Fernando Henrique não é de quem vai para esses polos populistas”, disse Mandetta, que conversou com o ex-presidente recentemente. “Acho que isso foi um recado para o Doria.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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