A tortura dos que se aventuram por dias melhores

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Numa era em que quase todas as pessoas e a vida em geral encontram-se em perigo constante, bom é estar atento para tantos mandos e desmandos que envolvem essas duas situações, mais uma vez voltamos nossa mente, o olhar e inteligência (mesmo que alguns torçam o nariz ou desdenhem) para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948. Diga-se que essa Declaração não é algo pronto, ela é um ideal a ser conquistado; certos artigos merecem atenção redobrada, são: o artigo 5º, onde lemos que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” e os artigos 13, 14 e 15 que vão tratar basicamente das locomoções humanas de um país para outro para obterem condições mais favoráveis de vida, que não encontraram no seu país de origem.

Do artigo quinto podemos inferir que a tortura se faz presente no mundo sob variados aspectos, olhos famintos numa vigilância cerrada diante de uma inércia quase que colossal por parte da sociedade; a tortura das fake news que não dormem um momento sequer, moendo por todos os meios sem dó nem piedade pessoas e situações; há também a tortura da ansiedade ou da falta de perspectivas sobre se haverá um amanhã para todos e são muitos aqueles que hoje sofrem desse mal; a tortura do ser invisível em todo o planeta, num segundo ele nos revelou um mundo inesperado e não querido por ninguém, ele tem desencadeado uma avalanche de novas situações, muitas delas dramáticas; quando o mundo andava rápido demais sem nenhum tipo de freio achando que nada nem ninguém o deteria eis que a tortura de se ir para os boxes e ficar parado levou muitos ao desespero.

O mundo da tortura é amplo, violento, desregrado, sem meias palavras, os que são por ela cooptados sofrem, pobre ou rico cada um pode dela falar com tranquilidade, quantos massacres nesses últimos anos, quantas mortes violentas, sem sentido, a banalização do mal sendo levada ao grau mais extremo que se conhece, mata-se pela pessoa ser desta ou daquela religião, mata-se pela pessoa ter essa ou aquela opção sexual, mata-se pelo simples fato de a pessoa ser uma criança, um adolescente um adulto ou um idoso. O ser “moderno” se especializou na arte de matar e torturar, aprendeu tanto que está caindo no círculo vicioso achando estar fazendo um bem para si e aos outros; nossa condição humana atual anda meio que encolhida, caminha às apalpadelas, sem rumo; eis o que a tortura sabe fazer muito bem, isto é, achatar ao extremo o nosso pensar e a nossa consciência.

Milhões de seres humanos vagueiam pelo Planeta em busca de dias melhores, é um fenômeno que tem ganhado força e com consequências totalmente imprevisíveis a curto, médio e longo prazo, as causas desse fenômeno são múltiplas, os seres humanos em locomoção possuem em si toda uma história, uma cultura, uma vida, ou seja, são portadores de muitas qualidades, são seres carregados de esperança por um mundo melhor. Tomemos o maravilhoso Brasil por exemplo: esse país seria pouco se para cá não tivessem vindo pessoas dos mais diferentes lugares do Planeta, toda a diversidade, toda a riqueza de pensamento, de saber fazer algo, de se relacionar com o diferente só é possível quando se entende que o outro além de mim, vindo de fora também tem sentimentos e desejos iguais aos nossos; somos tão devedores aos que para cá vieram para nos auxiliar.

Mas nem tudo são flores na vida de quem se locomove por dias melhores, quantos tipos de torturas, de humilhações, enganos e desenganos eles sofrem nessa travessia, são olhados com muita desconfiança, ceticismo e até mesmo com raiva, são na maioria das vezes pré-julgados, nós tão bem formados os qualificamos de pessoas sem direitos, de segunda ou terceira classe. Tem crescido de maneira muito forte a onda de xenofobia, que por sua vez leva ao fechamento das fronteiras, criam-se inúmeras barreiras ou requisitos para que uma pessoa possa entrar num determinado país. A guerra travada na Ucrânia nos revela o desespero das pessoas terem que fugir das suas casas, das suas cidades, do país, mortos vivos perambulando dias e noites sem nada terem feito, sem nada terem cometido, expulsos e condenados a viverem ou morrerem conforme as suas forças lhes permitirem.

Bioeticamente, a tortura sob variadas formas e os múltiplos modelos de impedirem as pessoas se locomoverem de um país para outro merece toda a nossa repulsa, são duas tendências no mundo selvagem moderno com roupagens e táticas diversificadas que ganham os noticiários constantemente; a era digital alavancou muitas paixões desordenadas contra os seres humanos estejam eles onde estiverem, a situação atual pode ser de medo em relação ao amanhã, mas também pode ser um sinal de esperança e é isso que precisamos cultivar, afinal a nossa sociedade tem todas as ferramentas a sua disposição para fazer deste mundo o melhor possível e não aventurar-se em viagens loucas e gastos astronômicos para se dirigir a outro planeta. Todos os direitos humanos fundamentais encontram-se sob severo ataque, são direitos para todos sem exceção, esse talvez seja o grande desafio hoje, por outras palavras, faz-se necessário demonstrar que um direito fundamental violado, se volta então para todos os demais sem exceção alguma.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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