As diferentes taças de venenos que consumimos

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Nossas vidas, de um modo ou de outro foram e estão sendo fortemente impactadas pelo ser invisível, algo que só a muito custo consegue ser visto pela potente engenharia médica à disposição, até agora pouquíssimas repostas e milhares de indagações, assunto por demais sério que aos poucos todos em grau, gênero e número querem esquecer, mas que não é tão fácil quanto parece ser; o globalismo tão sonhado e posto em prática nos trouxe temas delicados, os quais não estávamos e não estamos ainda adequadamente preparados. Nas últimas badaladas décadas o impulso frenético para frente foi sempre a palavra de ordem, tão ávida que estava a sociedade pelo futuro promissor, esqueceu de ver o presente ao seu redor, deliberadamente aceitou ser conduzida por mãos que apenas tinham uma aparência de certeza no futuro, mãos que tinham uma vaga noção do tempo.

O sonho prometéico alucinante deixou então de lado a boa e velha paciência, hoje quase nada sabemos a respeito dela, de tão obnubilada que anda nossas consciências que raramente prestamos atenção à multiplicação dos casos de violência e quando prestamos já é tarde demais. Para muitos hoje em dia ter paciência é sinônimo de uma pessoa fraca, pusilânime, que não sabe onde quer ir ou chegar. Hoje a linguagem da paciência perdeu a vez e o seu espaço para as armas, o que antes era tratado no mais respeitoso debate, hoje é tratado com os piores impropérios que se conhece, o que num passado não muito distante era visto como virtude, hoje apenas e tão somente é tratado como uma velharia, fadado ao ostracismo; a sociedade “forte e civilizada” que aí está tem orgulho de ser ignorante, sente prazer na mesquinharia, cultiva a estultícia ao ponto de divinizá-la; um deus de pouca ajuda.

A paciência que tanto nos faz falta hoje tem sido a causadora de dissabores, quando esquecemos por um motivo ou outro a paciência, ataca-se o outro até a raiz, inventam-se histórias recheadas dos mais variados absurdos existentes ou não, entra-se numa festa sem ser convidado e uma chuva de balas é disparada no outro só por ele ter uma opinião política diferente da sua, um juiz de futebol por ter errado num lance qualquer durante uma partida de futebol é amaldiçoado até a sua décima geração; hoje o rigorismo com o outro está na moda, por outras palavras, aos amigos tudo e mais um pouco, já em relação ao diferente à morte sem dó nem piedade; a falta de paciência planetária está chegando a níveis incontroláveis, como consequência um silêncio deliberado, uma crise existencial sem precedentes, o aquecimento da ira e a radicalidade que por onde passa gera mais violência.

O Planeta Terra também vem perdendo a paciência conosco, ele nos tem mandado frequentes avisos, poucos de nós tem realmente se preocupado com seus avisos, no mais das vezes a culpa é jogada nos ombros do próprio Planeta e raramente algum ser humano fala abertamente que a culpa é sim dos seres humanos em geral. Se a falta de paciência dos humanos atinge níveis insuportáveis, com a Terra ocorre o mesmo, isto é, ela tem seus próprios mecanismos de defesa para se rebelar e aumenta cada vez mais as formas com que ela mostra suas armas para as realidades humanas, as estações do ano são um ínfimo exemplo do que nos está a acontecer, um descontrole absurdo, não raro num dia apenas se tem as quatro estações do ano, noutras ocasiões, uma ou outra estação perdura por tempo indefinido, gerando assim muitas preocupações nos culpados, os seres humanos.

Para podermos consertar os rumos da incrível aventura humana, muitas coisas ainda nos são necessárias, elas são simples, basta que cada um de nós tenha a paciência como palavra de ordem e não a palavra impaciência como imperante em nossas mentes; por exemplo: sermos pacientes com todas formas de vida diferentes da nossa, paciência para podermos restaurar tudo aquilo que o ser humano denegriu ao longo de alguns séculos, paciência com o desenvolvimento integral de um e de outro, paciência com os nossos rios, nossas nascentes, nossas florestas, pois elas não são depósitos de todo o lixo insano que criamos; resta também vencermos nossa maior impaciência, ou seja, aquela de acharmos e julgarmos que os humanos e absolutamente ninguém mais tem mais direitos do que nós, que só os humanos são reis da criação, que só eles (leia-se apenas alguns) merecem viver.

Bioeticamente, somos ainda apenas bebês no que diz respeito a paciência, quando muito estamos apenas engatinhando nessa busca, isso é compreensível num sistema de vida que impôs a corrida frenética como única solução para vencermos todos os obstáculos da vida, corrida conjugada com o individualismo, a ganância, a morte de inocentes, trapaças e mentiras, o uso exacerbado da razão instrumental com o único intuito de dominar tudo e todos; o resultado disso tudo mais cedo ou mais tarde iria se mostrar, ele está diante de nossos olhos, queiramos enxergar ou não. Muitos líderes mundiais hoje cultivam apenas a impaciência, a arrogância e até mesmo a ignorância elevada à decima potência, pois não medem esforços em impor seus métodos de vida já consumadamente falidos e que fazem mais mal do que bem aos seus e ao Planeta Terra; cada um de nós sabe lá no seu mais profundo que precisamos mudar, que perigos rondam a todos; na era da incerteza temos apenas a certeza que corremos muitos sérios riscos caso não nos dermos as mãos rápido.  

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR      

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