Atenção para com a vida

Por Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla*

Na última semana todos os paranaenses foram sacudidos por uma notícia muito triste, ou seja, a morte de nove trabalhadores numa cooperativa, localizada em Palotina-PR, um evento trágico que corrobora o momento presente em relação aos imigrantes em todo o mundo, se achávamos que o Brasil estava imune a esse tipo de tragédia, ficamos a partir de então redondamente enganados. Um brasileiro morto e oito haitianos mortos, são eles: Saulo da Rocha Batista; Reginaldo Gegrard; Eugenio Metelus; Wicken Celestin; Donald ST Cyr; Jean Ronald Calix; Jean Michee Joseph; Michelet Louis e Alfred Celestin. Todos os haitianos tinham contratos de trabalho temporários, foram designados para tarefas extremamente perigosas, em locais insalubres, com uma segurança que se mostrou falha ao extremo; eis aí uma faceta da globalização das tragédias envolvendo as pessoas.

Esse terrível episódio, diga-se em bom tom, não foi o primeiro e nem jamais será o último, a mesma empresa de Palotina-PR, onde ocorreu essa tragédia, no ano de 2017, em São Luiz Gonzaga-RS, também foi palco de outro acidente, dois de seus trabalhadores (Edgar Jardel Fragoso Fernandes e João de Oliveira Rosa) foram deslocados para um determinado lugar para desentupirem canos abarrotados de soja, em poucos minutos foram totalmente engolidos por milhares de toneladas de soja. Só mesmo depois de uma tragédia dessa magnitude é que começamos a prestar atenção nesse ramo de atividade, bafejado como a única solução para salvar o país, que ele possui não um, mas vários calcanhares de Aquiles, esse tipo de negócio arrecada milhões de dólares todos os anos no Brasil, tais estatísticas aparecem em todas as mídias, já as tragédias são tratadas com simplicidade.

Há notícias oficiais e extraoficiais que dão conta que até o presente momento, chega perto de duzentos os mortos nesse ramo em todo o Brasil, isso só no século XXI; trabalhar num silo é uma tarefa arriscada, geralmente vão para esse tipo de trabalho, pessoas de baixa qualificação e uma remuneração mais baixa ainda. A estrutura de segurança para os trabalhadores na maioria das vezes é nula, praticamente inexistente, são colocados em locais com várias bombas relógios prestes a explodirem a qualquer momento, muito comum nessas cooperativas é a frouxidão em relação à segurança no trabalho, os “mais qualificados e com experiência”, alegam alto custo para a compra e manutenção de equipamentos, assim como o treinamento de pessoal para tal tarefa; curioso e emblemático é o fato de que a agricultura de ponta não dar atenção para quem vai cuidar dos produtos.

As receitas de cura propagadas por muitas cooperativas em todo mundo, para os males do mundo está envolta num certo tipo de totalitarismo para com os trabalhadores, cada vez mais precarizados, largados à própria sorte e órgãos de fiscalização míopes e até em alguns casos coniventes com tais situações. A crise agora estampada na morte de nove pessoas revela que ela está sendo mal gerida, é uma obviedade clara que no mundo atual, poucos merecem ter tudo e milhões merecem menos do que o mínimo necessário para rastejarem no campo minado da miséria humana; a agricultura não é feita só com números, cifras, reais, dólares ou euros, máquinas possantes, artefatos técnicos endeusados ao extremo como o suprassumo da realização humana, agricultura é ter responsabilidade com o meio ambiente, com a terra, com as pessoas, com a segurança de todos os trabalhadores.

Muito provavelmente aqueles trabalhadores haitianos que morreram em Palotina-PR, logo serão esquecidos, rapidamente serão trocados por outros mais que precisam desse tipo de trabalho, essa tragédia escancara aquilo que o mundo financeiro atual prega silenciosamente, isto é, a flexibilização dos direitos trabalhistas em todos os níveis, pouco ou nenhum investimento em educação, saúde e bem-estar das pessoas, em especial com os mais fragilizados. Atente-se que isso está em todos os países, não é exclusividade do Brasil, embora aqui queira-se dar ares de avanço em todas as frentes, às custas da destruição de valores conquistados com muito esforço e luta ao longo de séculos. A tragédia de Palotina-PR é apenas a ponta de um iceberg que está solto e vagando a esmo por todos os cantos, podendo atingir ainda muitos outros setores por nós desconhecidos.

Bioeticamente, mais uma vez o delicado tema dos imigrantes voltou, dessa vez de forma lamentável e chocante, esses haitianos saíram de seu país por não encontrarem lá condições dignas de vida, optaram pelo Brasil, pois esse é tido como um país altamente acolhedor para com o diferente, o que não é verdade em hipótese alguma; os haitianos de Palotina-PR, fazem parte daquela macabra estatística pragmática que só vê cifras, lucros, renda máxima no mais curto espaço de tempo, esses trabalhadores foram mais uma vez vítimas das engrenagens perversas que estão rodando o Planeta, sujeitos a todos os tipos de riscos, humilhações e incertezas, esse tipo de mercado está pouco ou nada preocupado com a vida, trata os trabalhadores apenas como meras peças que podem ser repostas a qualquer tempo. Os silos de Palotina-PR são belas construções não resta dúvida, mas baseados em terrenos movediços, ao menor movimento eles podem vir abaixo, como de fato vieram; sejamos pois mais cuidadosos daqui para frente, sejamos mais atentos à vida.

 

*Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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