ICMS nas farmácias: o ultimato!

Ailton Salomé Dutra

O tema não é novo, mas por afetar diretamente centenas de empresas e, por conseguinte, milhares de consumidores de medicamentos, creio que seja do interesse atualizar a situação aos interessados, notadamente aos proprietários de farmácias no estado do Paraná.

Relembrando rapidamente, no transcorrer de 2020 o fisco orientou as farmácias no sentido de autorregularem débito do ICMS por aquisições de medicamentos cujo imposto por substituição tributária (aquela parcela que a empresa paga ao estado antes mesmo de ter vendido o produto) não foi recolhida, em função do recebimento destes produtos a título de bonificações, estes que são recebimentos teoricamente sem custo, posto que os fornecedores cobram o valor de 100 unidades, por exemplo, e te entregam 120.

A exigência foi prorrogada para até 31 de dezembro de 2021 com a edição de uma Lei Complementar (LC 239/2021) que previa a possibilidade de parcelar em até 60 vezes e sem a imposição de multas, mas, com a demora em votar a referida norma, a qual foi publicada somente em 14/12/2021, foi editado o Convênio ICMS nº 212/2021 (editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz) autorizou a prorrogação do prazo para até 31/03/2021.

Mas, com devido respeito e admiração que tenho à casa em que laborei por mais de 30 anos, não posso concordar com alguns atos que estão sendo praticados pelo fisco em relação a estes débitos.

Como já comentamos em artigos anteriores, não vou adentrar na temática de ser ou não legal a cobrança do ICMS por substituição tributária em sua essência, mas pontualmente à situação em voga, tenho sim alguns questionamentos, sendo que alguns destes já havíamos exposto em uma entrevista à editora deste diário, junto a edição de 14/08/2020 (“Receita Estadual intima quatro mil farmácias a recolher ICMS devido por outros”).

De pronto, o STJ já julgou por diversas vezes que as bonificações são consideradas como descontos incondicionais, logo, afastando qualquer tributação do ICMS sobre estes valores. É fato que o Tema Repetitivo 144 do STJ delimitou o julgado afirmando que “não se trata de incidência de IPI ou de mercadoria dada em bonificação no regime de substituição tributária”, mas o tema não foi definitivamente concluído em função de outros julgados diversos desta diretriz.

Em segundo, a LC 239/2021, em seu artigo 3º, determinou que os cálculos da substituição tributária, nestes casos específicos das farmácias, deveria ser feito com base nos valores dos medicamentos estipulados com base na tabela dos “Preços Médios Ponderados ao Consumidor Final – PMPF”, índice este que já aduzíamos na reportagem anteriormente citada de que seria o mais correto e não pelo “Preço Máximo ao Consumidor-PMC” como estava constante na primeira apresentação dos débitos aos contribuintes, no que a LC 239/2021 fez efetuou o ajuste reclamado.

Agora, em novas intimações de autorregularizações aos mesmos contribuintes, o fisco efetua a exigência tributária sob o mesmo fundamento legal, mas adotando a mensuração da base de cálculo para a substituição tributária aquela apurada pelo PMPF, além de estar excluindo daquelas primeiras todos os documentos que indicam fatos geradores ocorridos há mais de cinco anos (decadência tributária) o que pode apontar nas novas intimações uma redução na quantidade de notas fiscais e de valores, comparando a primeira intimação com esta última.

Mas, mesmo havendo o ajuste pelo PMPF, o fisco, ao meu singelo modo de ver, cometeu certas falhas. A primeira aponto como a não abertura de prazo para se questionar os valores lançados, de forma total ou parcial, quando na mesma intimação menciona que que não serão aceitas justificativas para as operações indicadas, aceitando-se apenas o pagamento integral ou o parcelamento, devido ao “caráter excepcional da Lei Complementar nº 239/2021. Confesso que é a primeira vez que vejo a possibilidade de se manifestar administrativamente por um “caráter excepcional” de uma lei não derruída formalmente. E que não se diga que esta oportunidade poderá ser feita em procedimento inicial de autuação fiscal, a dita defesa prévia, pois aqui se trata de instrumento diverso, mas que não dispensa um contraponto da solicitação fiscal.

Noutro compasso, a mensuração da base de cálculo do imposto pelo PMPF, conforme a LC, deriva da pesquisa de preços médios efetivamente praticados em determinado período, conforme exigido pela Cláusula vigésima quarta do Convênio ICMS 142/2018 e do qual o Paraná é signatário. Ainda, por este mesmo convênio, exige-se a participação de entidades representativas do setor, devendo nesta pesquisa ser identificada as características das mercadorias, preço de venda final no estabelecimento varejista e outros dados necessários à particularidade da mercadoria. Dentre várias outras medidas de controle da fidelidade destes preços, ainda é exigido que a lista final seja apresentada aos representantes do setor, abrindo-se prazo para manifestações. Então, indago, aonde está esta listagem? A qual entidade representativa foi apresentada? Isso não consta na intimação realizada, lembrando, sem ser dada nenhuma condição de ser repelida.

Estes preços são os que foram praticados em data pretérita, mas não se tem notícia de que se foi utilizada uma tabela já elaborada naquele tempo ou se foi pesquisa atual com base em dados históricos, mas em ambas as situações a validade dela deve obedecer aos ditames deste convênio, ou seja, deve apresentar elementos da pesquisa e o resultado final ser posto sob o crivo dos interessados, aberto prazo de manifestação e, somente após, ser utilizada para o fim de determinação de base de cálculo do ICMS por substituição tributária.

Estas são apenas algumas considerações sobre o tema, não pretendo este artigo ser a manifestação final e não estando o tema esgotado. O prazo para pagamento está próximo e não creio muito que o fisco faça nova postergação, ainda que possa sofrer pressões pelo setor, pois a última data está contida em convênio e um pedido de postergação passaria por diversos outros trâmites, cujo prazo para análise seria um pouco longo. A solução se é devido ou não na parte legal e mesmo se há correção dos valores, são temas a serem analisados coletivamente, quanto a primeira questão e individualmente quanto a segunda, devendo o interessado se instruir tecnicamente com seus contadores e/ou advogados de forma pontual.

Por fim, cabe ressaltar que esta autorregularização e a LC 239/2021 encampam fatos geradores ocorridos até 31/05/2020 e que se houver operações posteriores a esta data, o fisco certamente irá no futuro exigir o tributo, mas sem as benesses desta LC. Atenção então a estes débitos!

Advogado tributarista e empresarial – bacharel em Ciências Contábeis

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