No mundo das aparências, quem tem mais de um olho pode não ser rei

O mundo atual, tão atarefado sem nada fazer, assiste impávido, grandes e pequenos horrores todos os dias, desde as profundas alterações climáticas que vem causando pânico, destruição e muitas incertezas e também as guerras, aqui vamos nos deter em apenas duas delas que atualmente dominam o cenário mundial, dois episódios catastróficos para qualquer lado que se olhe; A primeira está na Ucrânia, uma invasão brutal e criminosa por parte da Rússia, nesse momento sabemos muito pouco do que lá acontece, mas é certo que a carnificina continua e a segunda, é a luta tremendamente desigual entre israelenses e palestinos, milhares de mortos, chuvas de foguetes, explosões em hospitais. O poderio militar israelense tem se mostrado ao mundo, macabro e desumano; a pretensa caça aos integrantes do Hamas vem transformando a Faixa de Gaza num rio de sangue de inocentes.

Ninguém melhor do que Gunther Anders (1902-1992), para tratar desse tema degradante, que encheu milhares de páginas durante o século XX e infelizmente continua atualmente a inundar os diversos meios de comunicação, autor ainda pouco conhecido no Brasil, mas que devido aos tantos conflitos existentes, sua obra vem sendo recuperada e colocada à lume para muitos que queiram aprofundar as suas ideias. Anders sempre foi alguém fora da curva, definia-se como alguém com múltiplas nacionalidades, não se condicionou somente a uma forma de ver o mundo, até sua morte sentiu de perto o quanto a existência está em perigo, tanto é que para ele a data de seis de agosto de 1945, mostra que o mundo a partir daquele instante poderia se evaporar em frações de segundos; o tempo mostrou que ele estava certo, o mundo nunca mais foi o mesmo depois daquele dia.

Gunther Anders escreveu muito e o que mais impressiona é que seus textos são para hoje, esse tempo serpenteado por todos os lados de muitos paradoxos, muitas verdades e mentiras, enfim seus textos são para o ser humano atual, ser esse massificado, cansado, cheio de meias alternativas, sufocado por uma enxurrada de entretenimentos que o faz cada vez mais escravo, achando-se no entanto que se encontra mais livre do que nunca. Anders, profeta? Vidente? Nem uma coisa nem outra, apenas alguém que se dispôs a não estar amarrado a nenhum tipo de condicionamento, caminhou à margem daquilo que era ofertado em profusão, não se sentiu nem um pouco constrangido com isso, também não precisou se ajoelhar perante bezerro de ouro algum e muito menos se deixou formatar pelas efêmeras conquistas da sua época, Anders, pagou um preço muito alto para ser livre.

A obra máxima de Gunther Anders chama-se “O Homem Obsoleto”, publicada originalmente no ano de 1956, nesse escrito Anders de forma única e magistral expõe o drama humano da existência, essa confrontada com inúmeras situações que acabam se tornando um pesadelo em muitos sentidos para qualquer um de nós, o texto tem um forte tom pessimista, pois alega em outras palavras, que a sociedade de modo geral involuiu, no vasto horizonte das conquistas humanas o excesso se fez e se faz ainda mais presente do que nunca. O excesso é tudo aquilo que tem afundado as sociedades, observa Anders; a hybris grega, tão combatida pelos filósofos é hoje a moeda corrente entre todos e quanto mais conhecimento especializado existir, mais fragmentados ficaremos então, seja a nível individual, quanto no coletivo; realmente Gunther Anders nunca esteve longe das verdades.

Outro aspecto de vital importância na vida e obra de Gunther Anders, é que ele foi até o final da sua vida um ardoroso pacifista, engajou-se em diversos movimentos contra todos os tipos de guerra, em especial para com uma possível guerra nuclear, por ocasião do acidente nuclear de Chernobyl em 1986, assim ele se expressou: “”Estamos em perigo de morte em decorrência de atos de terrorismo perpetrados por homens sem imaginação e analfabetos sentimentais que são hoje onipotentes”. Diante de Anders, estão sempre três outros gigantes da filosofia, quais sejam: Sócrates, Kant e Nietzsche, em cada um desses três, um exame rigoroso de nossas vidas deve ser levado adiante, que toda moral anda junto com a existência e devemos ter sempre em mente, máximas, para que se convertam em máximas universais; agrupar essas três questões é hoje um desafio quase que heroico.

Bioeticamente, a mensagem de Gunther Anders merece toda a nossa admiração e respeito, isso porque a sua mensagem soa claro e em alto e bom som, num tempo em que as certezas se diluíram diante das tantas massificações produzidas deliberadamente para abafar toda e qualquer reflexão, a nossa tão bafejada onipotência, não é outra coisa senão levar todas as criaturas a uma dominação total, muito daquilo que foi até hoje produzido, se fosse feito um exame rigoroso notaríamos que a maioria serviu apenas e tão somente para espalhar, medo, insegurança e desesperança, que o diga a energia nuclear, seja ela para uso militar ou para uso pacifico e que muitos progressos se tornaram catástrofes, profeticamente escreveu em 1940: ““Nenhum de nós tem um conhecimento condizente ao que pode ser uma guerra atômica. O que significa que, neste campo, ninguém é competente e que o apocalipse está, portanto, por essência, nas mãos dos incompetentes”; sendo assim toda e qualquer semelhança com o nosso tempo não é mera coincidência.

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