O retrato de tudo o que não se é

Um grande e perturbador enigma da atualidade é aquele que nos dá mostras de que a sociedade está cada vez mais imersa na cultura do nada, a realidade apresenta-se como caos quase total, há aqueles maldosos por natureza que dizem que quanto pior melhor, uma triste porém fácil constatação, alguns preferem o terror, mentem para si mesmos que tudo está tranquilo, enquanto que ao seu redor o mundo queima, há sim uma grande involuntariedade de buscar a paz duradoura, aplaudem-se desmedidamente as máquinas assustadoras, às quais sabemos faz tempo que elas introduzem em nosso mundo toda a precariedade em relação à vida cotidiana, a loucura sem fim de pôr à disposição tais máquinas só fazer sofre mais o já maltratado Planeta e seus habitantes, na sua grande maioria pessoas de bem, que não querem ouvir ou fazer guerra contra quem quer que seja.

O modelo que ocupa a maioria dos líderes mundiais, muito em especial àqueles que estão envoltos em guerras, é um modelo fantasticamente incompetente, pois ele não faz outra coisa senão lançar um contra o outro, nação contra nação, mentiras sobre mentiras, o tão sonhado futuro promissor que tanto já nos foi pintado, não passa de uma miragem ainda incrivelmente longínqua, vulnerável, frágil e extremamente confusa. A atualidade é um contínuo excesso de tudo, chegando ao ponto de se tornar intragável, junto com o excesso badalado, existe a miséria, a falta, a carência, somos treinados para não vê-las, somos conduzidos para não admiti-las, somos teleguiados para não mostrarmos nossa indignação e repulsa; sobra então aquele poderoso silêncio ensurdecedor da nossa parte e de tantos outros, tristemente temos sim dado muito crédito aos oportunistas de plantão.

De uns tempos para cá e velozmente, como em nenhum outro período da história, superabundaram em todas as dimensões humanas e extra-humanas sensações de que tudo é possível, de que logo mais ali na nossa frente encontraremos o nosso jardim do Éden, um poder sem igual para amortecer qualquer consciência está a caminho de muitas maneiras, invade a todos a qualquer hora do dia ou da noite, criam-se mundos desprovidos de qualquer sensatez, alimentam-se esperanças, as mais estapafúrdias possíveis, temos sido incapazes de ver nessa trajetória todos os perigos, todas as disfunções que qualquer promessa apresenta; um mundo que preza a desordem não pode estar ele em seu juízo perfeito, não pode ser ele o guia referencial, pois sua razão está combalida justamente porque olha para uma direção, é incapaz de ver o todo e que o todo é muito mais importante.

Uma das grandes incapacidades atuais é a nossa falta de visão para com o futuro da espécie humana, essa está imersa num meio ambiente que por sua vez passa por sérias provações, duas realidades que deveriam se complementar, mas que percebemos que uma parte só, a humana busca por todos os meios se livrar das suas responsabilidades para com o ambiente. A parte humana, esqueceu que necessita de outras realidades para viver e se perpetuar, optou por fórmulas cada vez mais mágicas, que fazem repudiar o passado e tudo aquilo que nos trouxe até aqui. As fórmulas de hoje estão recheadas de brilho, que por sua vez geram encantos e logo mais à frente os seus desencantos; tais fórmulas “encantadoras” tem produzido em abundância, muitas incertezas, mesmo com a grande maioria sendo contra, seus líderes invocam discursos mesquinhos e vão na direção oposta.

Uma questão vital menosprezada atualmente é a questão da presença da água em nossas vidas, no último dia vinte e dois de março celebramos o dia mundial da água, elemento vital para qualquer ser vivo, mesmo que tenhamos todo o ouro do mundo, as pedras mais preciosas, os computadores mais avançados e toda parafernália, inexistindo a água ninguém, absolutamente ninguém fica em pé por muito tempo. Precisamos nos convencer como sociedade que a água é um presente, um bem comum universal, melhor ainda, um direito humano fundamental. A água é um bem limitado, que quando não cuidada se perde, evapora e some num piscar; não podemos viver bebendo ouro, não vamos sobreviver ingerindo pedras preciosas, também não vamos nos salvar fazendo guerras e muito menos vamos ficar de pé consumindo apenas as quinquilharias computacionais.

Bioeticamente, nosso comportamento em relação à água está recheado de ambiguidades, damos primazia ao efêmero, ao vulgar, banalidades, leviandades e frivolidades, estamos nos acostumando com a banalidade da vida e do meio ambiente, inventamos mil maneiras de fugir deste mundo, mas fomos nós que transformamos o mundo no que ele é hoje, se o mundo está do jeito que está é porque foram os humanos os grandes responsáveis por tal situação. Não adianta nada culparmos Deus, os furacões e tsunamis pelas nossas desventuras, é o ser humano com sua razão que transforma tudo, seja para o bem, seja para o mal. Temos sido burocráticos demais para com aquilo que nos dá condição de vida, temos sido liberais demais com aqueles que nos prometem o absurdo e são justamente esses que nos põe em perigo todos os dias, eles mantem uma relação pouco estável com o mundo, para eles o imediato é a regra, o tempo oportuno para suas viagens rotineiras, vazias e instáveis; nós como sociedade precisamos melhorar a argúcia.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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