Pais ganham reparação por bullying contra filha

Flori Antonio Tasca

Por vezes, uma situação de bullying no ambiente escolar se mostra tão grave que também os pais da vítima requerem reparação por danos morais reflexos. Um caso com essa característica está retratado na Apelação Cível 3647-52.2015.8.19.0202, julgada aos 11.09.2019 pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relatada pelo desembargador Fernando Foch.

Segundo consta dos autos, uma aluna sustentava que vinha sendo vítima de bullying na instituição de ensino e que as agressões verbais chegaram a tal ponto que ela passou a apresentar tendência suicida, além de automutilação. Argumentava-se que a escola havia sido instada a agir para resolver o problema, mas permaneceu inerte, o que levou a família a procurar o auxílio do Conselho Tutelar. Alegava-se que os atos de violência física e moral cometidos contra a aluna não apenas lhe trouxeram dor, angústia e sofrimento intensos, passíveis de reparação, como também acarretaram danos morais reflexos aos pais da estudante, pois eles também experimentaram sofrimento por toda a situação vivenciada pela filha.

Em primeira instância, o pedido foi considerado procedente, sendo arbitrada a reparação de R$ 15 mil pelos danos morais sofridos pela aluna e mais R$ 7 mil para cada um dos pais, pelos danos morais reflexos que suportaram. A escola se insurgiu contra a sentença e, em recurso, sustentou que cabia aos autores provar o bullying e os danos alegados, além de aduzir que as eventuais agressões teriam ocorrido fora do ambiente escolar, mas que, mesmo assim, os coordenadores da instituição tomaram as medidas cabíveis, inclusive colocando um funcionário para acompanhar a aluna, a qual sempre dizia estar bem. Por essa razão, entendia que não havia se omitido e que, portanto, não merecia ser condenada.

Em relação aos danos reflexos alegados pelos pais, a escola entendeu que esses danos não foram comprovados e questionou a sentença nesse ponto, por ter se baseado na presunção de afeição dos pais pelos filhos. O relator entendeu que a escola estava colocando em xeque a própria afeição dos pais pelos filhos, argumento ao qual reagiu de forma bastante firme: “Absurdo. Não mais que absurdo”. Afinal, a escola parecia duvidar da experiência comum trazida há milênios pela humanidade e parecia exigir que a afeição pelos filhos fosse devidamente comprovada caso a caso, situação que o relator não podia admitir. A ele parecia fora de dúvida que os pais sofrem com as agruras e infelicidades dos filhos.

O relator chegou a citar disposições do Código Civil que evidenciavam a realidade social em que o amor dos pais pelos filhos justifica o seu dever de cuidado sobre eles. Tudo isso levava à conclusão de que os danos sofridos pelos pais, diante do sofrimento padecido pela filha, eram presumidos, como presumidos eram os danos da filha, de tal sorte que nenhum tipo de comprovação de sofrimentos – e menos ainda de afeição – era necessário.

O relator também rechaçou a tese de que a escola não poderia ser responsabilizada, já que houve agressões em ambiente externo, como as redes sociais. Isso porque, no seu entendimento, a responsabilidade das instituições de ensino por seus alunos vai além dos seus portões. Ele também criticou uma tese da escola que parecia sugerir algo como “os incomodados que se mudem”, pois não é assim que se lida com a educação de crianças.

Em seguida, foi reforçada a análise das provas feitas na origem, todas a evidenciar que houve omissão da escola, inclusive em um caso de agressão verbal ocorrido diante de um coordenador da escola, que preferiu não intervir. Laudos psicológicos endossavam todo o sofrimento afirmado pela vítima. Considerou-se que, se a escola tivesse assumido o seu dever de guarda e vigilância, as agressões e os seus efeitos não teriam sido tão graves.  Certo estava não se tratar de mero aborrecimento, mas danos morais de fato, o que se comprova pelo abalo psicológico, o qual levou à ideação suicida e à automutilação. A gravidade desses efeitos, por certo, também reforça a ocorrência de danos morais reflexos.

Havia relação de causa e efeito entre a conduta da escola e os danos experimentados, o que fazia dos autores merecedores de uma reparação. Um recurso havia sido interposto pelos autores para que o valor reparatório fosse majorado. O relator considerou que os valores originais eram, de fato, irrisórios, pois se tratava de uma escola que integrava um portentoso grupo empresarial. Considerando o intenso grau de dano extrapatrimonial experimentado pela vítima imediata, sugeriu a ela o quantum reparatório de R$ 20 mil.

Ele foi da opinião, ainda, que o sofrimento dos pais não havia sido menor. Mesmo que eles, pessoalmente, não tenham apresentado inclinações ao suicídio e tampouco tenham praticado algum tipo de automutilação, entendeu-se que nem por isso havia sido menor o seu sofrimento ao ver a filha nessa situação. Igualmente, não era menos grave a conduta da escola em relação a eles. Por essa razão, concluiu que, contrariamente ao fixado em primeira instância, eles deviam, cada um, receber o mesmo valor reparatório da filha.

No seu entendimento, essa majoração contribuiria para que a escola não negligenciasse mais o seu dever legal, em especial a Lei 13.185/2015, que determina ser dever, entre outros, dos estabelecimentos de ensino, assegurar medidas de combate ao bullying. Os demais componentes do colegiado endossaram o entendimento do relator, sendo então mantida a condenação da escola, mas agora com valores reparatórios maiores para os autores.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, [email protected]

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