Ser pai não é para amadores

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla*

A modernidade, individual em sua trajetória meteórica fez com que nos espantemos cada vez menos com as pessoas, ela acaba passando por cima de muitos acontecimentos cotidianos, ela gosta de celebrar o bombástico, aquilo que rende cliques, ou mais ainda, o quanto pior melhor, já aquilo que é real, verdadeiro, ela tem como um inimigo, chocar a modernidade é muitas vezes tido como um crime, afrontá-la então, é passível de banimento; a modernidade tem as suas alegrias, mas ao mesmo tempo seus calcanhares de Aquiles vagueiam a esmo. No mundo bobo das aparências da modernidade tudo caminha conforme o balanço das mentes, a modernidade tenta, mas não consegue eliminar muitas questões essenciais para os seres humanos, mesmo que ela pregue a apatia total para cada um de nós, uma resistência continua se fazendo presente; no mundo real, a vida corre diferente.

As fantasias modernas, buscam sempre pelo impossível, entretanto o improvável é que acaba realmente acontecendo e quando este chega vem com força total, até mesmo devastadora, a modernidade então, muito a contragosto tem que enfrentar aquilo que surgiu num repente de qualquer maneira e com as armas que dispõe naquele momento. Absolutamente ninguém nega que estamos agora passando por um profundo processo de mudança, ele recém começou, muitas contradições antes impensáveis, são elas agora mais comuns do que se imaginava, muitos de nós temos sido meros figurantes, quase que irrelevantes nesse jogo de forças avassalador; há toda uma reconfiguração global sendo tramada, não resta dúvida, esta sendo calcada num pragmatismo cada vez mais contundente, prometendo cada vez mais e todos sabendo que ele cumpre cada vez menos

Sendo assim, ser pai nessas circunstâncias não é algo para amadores, ser pai nesse processo transformativo profundo requer muito mais do que coragem, requer audácia, discernimento, vontade de viver e principalmente responsabilidade, seja para consigo mesmo, seja para com aqueles que são seus dependentes, mesmo que a sociedade ao seu redor caduque, ele permanece em pé, mesmo que o mundo desabe diante dos seus olhos, ele encontra forças para resistir e continuar sua missão. Os pais, inseridos nessa fantasiosa modernidade, a maioria esmagadora sem terem pedido isso, lidam cada um a seu modo com todas as surpresas que se lhe apresentam, alegrias, tristezas, sombras e luzes estão por todos os lados, cada pai nesse emaranhado, caminha, tropeça, cai e levanta; diante de si a indiferença, a certeza transitória e o pior de tudo: a dúvida sem fim.

Rememorar não é exatamente aquela palavra de ordem da modernidade, ela pois odeia toda e qualquer menção ao real, mas mesmo assim vamos trazer à baila muitos tipos de pais hoje existentes: pensemos nos pais migrantes neste momento num barco no meio do mar mediterrâneo ou atravessando a perigosa fronteira do México com os Estados Unidos, ou ainda aqueles pais envolvidos na guerra da Ucrânia, quantos desses morreram deixando esposa e filhos à mercê da sorte. Quantos pais precocemente morreram com a vinda do ser invisível, milhares deles entraram num hospital e saíram dias depois num saco preto de plástico, sem qualquer presença dos familiares; muitos envolvidos por frivolidades, leviandades e banalidades já esqueceram esses e tantos outros eventos macabros relacionados aos pais; a modernidade tem coração de pedra, o ser humano tem de carne.

Chegamos enfim aos queridos pais brasileiros, pais num país em convulsão quase que diariamente, uma luta sem fim para levar à família um pouco de decência e dignidade, pais num eterno movimento, pais que sabem muito bem que nesse país, viver de modo decente é um requisito quase impossível de ser alcançado. Aqui a primazia se dá única e exclusivamente para a vida econômica do país, já a vida de cada um pouco ou quase nada importa. Pais que ficam atordoados com tantas propagandas enganosas, a grande maioria tendo dinheiro apenas para o estritamente necessário; aqui os sinais da modernidade se confundem, se misturam cada vez mais com a precariedade da existência; ser pai nesse Brasil é estar envolto num mar de contradições e descaminhos, sobrando pouco tempo para os pais serem realmente pais, quando conseguem tal façanha descobrem tarde isso.

Bioeticamente, todos os pais são o que são, foram o que foram, não há marcha ré para nenhum deles em qualquer circunstância em que se encontrem, ser pai hoje, não é melhor do que ter sido pai ontem ou anteontem, só um pai consegue entender outro pai, infelizmente nem todos os pais existentes hoje deveriam um dia ter sido pais, um pai formado parcialmente, poderá acarretar inúmeros dissabores aos filhos e quanto a isso não nos faltam exemplos. Caso tivéssemos pais minimamente preocupados com seus filhos, muito provavelmente teríamos menos violência, se tivéssemos pais mais presentes, os filhos não necessitariam de tantos presentes para acalmar sua ansiedade. Ser pai é um processo que não acaba nunca, poucos entendem essa dádiva, poucos são aqueles que se interessam por melhorar o mundo ao seu redor. Aos pais que se foram, o nosso mais sincero muito obrigado, apesar de tudo; aos pais que aí estão muita força, muita luz e discernimento para cumprirem bem sua tarefa; ser pai é pois, uma missão existencial única.

 

*Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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