Um mundo enlouquecido, desorientado

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

No último dia quatro de outubro, dia em que se comemora São Francisco de Assis, Papa Francisco lançou a segunda parte da “Laudato Si”, essa de agora com o título de “Laudate Deum”, um documento curto que pode ser lido num breve espaço de tempo, mas de uma densidade muito grande, nele o Papa Francisco, escreve menos do que realmente ele poderia ter escrito mas, nessa segunda parte, há uma introdução e seis capítulos que totalizam setenta e três parágrafos. Exatamente oito anos depois do lançamento da “Laudato Si”, Francisco vem novamente a público para lançar um forte grito contra os maus-tratos para com a Mãe Terra, o cerne da sua reflexão gira em torno da atual crise climática que por sua vez ocasiona outras tantas crises, aqui Francisco dá sinais de que está indignado, assim como tantas milhões de pessoas que não suportam mais tantos reveses.

Segundo Francisco, a crise climática é global, fenômenos extremos que acontecem em todos os cantos do Planeta, com magnitudes cada vez maiores ocasionam mudanças bruscas e radicais na vida de todos, cada um é afetado de modo diferente por esta crise, quem tem mais pode sair da crise com mais facilidade, mas a maioria esmagadora como ele salienta perde ou perderá seu trabalho, a sua moradia, algum ente querido ou será forçado a se mudar para outra região totalmente diferente daquela que habitavam antes. Francisco faz uma dura crítica aos negacionistas, que usam de seu poder e influência para minimizar ou ridicularizar quem vai contra os seus projetos de expansão sem fim; o ser humano está na base da atual crise, a maioria esmagadora dos governantes não dando atenção aos desastres que vem acontecendo com frequência, pois emperra o crescimento.

A seguir Francisco faz um alerta sobre o atual paradigma tecnocrático que cada vez mais inunda a cabeça e a fantasia das pessoas, fazendo com que elas creiam que tudo pode ser resolvido num passe de mágica, clicando este ou aquele botão, neste ou naquele aplicativo, o mundo tecnocrático invade todas as esferas, fazendo com que a nossa inteligência natural, dê voz e vez à inteligência artificial. Cada vez mais o ser humano acredita que pode tudo, que possui em suas mãos um poder absoluto, mas esse poder segundo o atual pontífice não é usado adequadamente, com frequência não prestamos atenção nos desastres que a técnica nos causa, nos causou e ainda poderá ocasionar; nem sempre o progresso significa uma vida plena, cheia de satisfação e regalias, quantas vezes ele nos tapeou, nos iludiu, riu das nossas misérias, fez pouco caso das nossas dificuldades.

Outro ponto que merece a atenção de Francisco é o caos no qual se encontra a atual política internacional, os principais órgãos mundiais responsáveis pela salvaguarda do Planeta e da vida, não conseguem dar uma resposta à altura, quantas políticas fracassadas no século XX, adentraram no século XXI e aí estão totalmente desorientadas, sem rumo, sem um projeto definido. Quantas políticas de agora abandonaram a defesa do Planeta, deixaram de lado os direitos humanos mais fundamentais, a famigerada globalização é uma bela retórica que em última instância só dá valor ao que dá lucro no menor espaço de tempo possível. Olhemos de perto a maldita guerra da Ucrânia e agora o conflito entre israelenses e árabes, quanta diplomacia para nada, quantas conversas vazias, somente da boca para fora; somos todos reféns de líderes que estão mais preocupados em saírem bem nas fotos.

As conferências das partes deveriam ser uma ocasião para se levar a sério a crise climática, quantas já foram realizadas, a maioria delas foi um fracasso retumbante, outras, entretanto conseguiram dar alguns passos de tartaruga e muito daquilo que foi acordado e assinado pelas nações não foi cumprido, pois não é segredo para ninguém que nessas conferências o que está em jogo é o dinheiro, o poder e domínio sobre as populações e os recursos naturais. Todos sabemos que nas conferências das partes, lobbys poderosos dificultam e fazem de tudo para que tudo continue como está. Falta muita responsabilidade para com o que está acontecendo hoje e pior ainda é que não nos damos conta do que ainda está por vir, as gerações futuras, nossos netos e conhecidos poderão um dia apontarem seus dedos para nós e nos condenarem para todo o sempre como criminosos.

Bioeticamente, Papa Francisco ainda acredita que podemos virar o jogo, logo mais teremos a conferência das partes vinte e oito, nesse evento a irresponsabilidade até agora a moeda de troca entre as nações, seja de uma vez por todas deixada de lado, nada de pragmatismos homicidas que veem na técnica a única solução para as diversas crises que aí estão. Um novo estilo de vida será necessário, queiramos ou não, pois o atual modelo está completamente falido e não tem futuro, como bem ressalta Francisco, as soluções individuais dão pouco ou nenhum resultado, somente juntos, crentes e não crentes, adeptos dessa ou daquela religião é que conseguiremos nos salvar. As crises financeiras dos últimos anos e pior ainda a vinda do ser invisível que ceifou milhares de vidas inocentes são prova inequívoca de que o ser humano não é mais do que um grão de areia e que algo acontecendo o mais longe possível de mim, hora ou outra ele vem bater na minha porta, assim é a atual policrise climática, ela não escolhe o dia, hora ou local para entrar em ação.

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