Vigilância sempre, liberdade uma quimera

O tempo em que estamos inseridos, vivendo nele todos os tipos de experiências, merece sempre uma séria e profunda reflexão, isso porque ele nos mostra a todo momento o quão complexo ele é, as suas armadilhas, aquilo que ele não diz, mas nos seduz com suas portentosas imagens, quando achamos que estamos preparados para tudo, então nos vemos nus diante do tempo, esse gigante que usa e abusa da nossa fragilidade, da nossa teimosia em tudo querer conquistar e dominar; o tempo nos prega peças com a sua lábia irretocável, com seus trejeitos sedutores, quando acreditamos que temos em mãos o poder que nos dará a cura, então nos vemos mais doentes do que nunca, quanto tempo perdido em ninharias, quantas frivolidades se perdendo de vista, o tempo atual nos mostra bem o quanto estamos atrasados em relação a nós mesmos, às nossas pequenas aspirações.

Eric Arthur Blair ou George Orwell (1903-1950) é um daqueles poucos autores que jamais nos cansamos de ler, visionário de longo alcance, perspicaz, intuitivo, um humor fino e por vezes gélido, fala e escreve com seriedade através do seu bom humor, único e irretocável. Orwell, presenciou até sua morte os momentos mais dramáticos da sociedade global, esteve perto do melhor e do pior que o ser humano pode produzir, politicamente argumentava que muitos regimes existentes em seu tempo logo fracassariam pois estavam muito longe de cumprirem suas metas, em especial aquelas relacionadas com as pessoas, para ele um regime que não contempla a liberdade e muito menos um mínimo de democracia, não tem futuro algum; hoje apesar de tanto se falar em democracia, sabe-se que esse regime é apenas e tão somente um ideal, muitas vezes falho e longe da verdade.

Duas obras de George Orwell, merece de nossa parte, uma profunda admiração e respeito; a primeira delas chama-se “A revolução dos bichos”, um enredo que praticamente todos nós conhecemos, isto é uma espécie de granja, fazenda ou chácara, ali estão reunidos animais de todos os tipos, isto é, uns maiores, outros menores, uns mais fortes, outros nem tanto, enfim um grupo nada homogêneo, que busca a melhor maneira de todos conviverem em harmonia, o dono da terra e dos animais, é pessoa de poucos ou nenhum amigo, somente pensa em si e no que pode tirar proveito dos animais, não mede esforços para sugar o máximo deles, aos poucos vai minando as forças e aspirações dos animais que lutam por melhores condições de vida; tanto no mundo animal, quanto no mundo dos humanos, fica evidente na obra que uns possuem sempre mais direitos do que os outros.

A segunda monumental obra de George Orwell, chama-se “1984”, um clássico que vem atravessando o tempo, gerações e todos os ambientes, mais atual do que nunca, ainda não conseguimos penetrá-la de modo suficiente para uma melhor compreensão; obra profética, narra inúmeros totalitarismos que estão aí e ainda muitos outros que nos são desconhecidos no momento. Uma forma absurda de controle em todos os campos da vida, com aparência de democracia, com uma mensagem de paz e amor para todos, a liberdade sempre como objetivo maior, não é outra coisa senão um novo tipo de controle, tanto das instituições, como das pessoas que dela fazem parte, esse novo tipo de arma vem se aprimorando a cada dia que passa, repete-se os velhos mantras que tudo é para o bem dos cidadãos, quando na verdade todos sabemos que estamos sendo afogados a olhos vistos.

Nosso querido Brasil, quando confrontado com essas duas obras gigantescas, vemos que há inúmeros pontos de convergência, temos a impressão nas entrelinhas, que Orwell, está vendo, pensando, lendo e escrevendo para o Brasil, um país que ainda procura às apalpadelas o melhor caminho a seguir, para isso não mede esforços em esconder suas mazelas, nele não há nenhum pudor em afirmar que aqui a lei é para todos, mas que essa lei é muito diferente para o sujeito, a, b ou c. Vivemos tempos de profunda invasão tecnológica, apreciamos quinquilharias que tem o condão de nos fazer esquecer que o mundo é real, que viver na dura ilusão é a única opção; somos conduzidos como marionetes, somos dramaticamente conduzidos por pessoas mais cegas do que nós; enfim, “1984”, acaba nos dizendo que as tolices tem mais força de persuasão do que a verdade.

Bioeticamente, George Orwell, percebeu muito bem já no seu tempo as inúmeras doenças que podem vir a fazer parte da sociedade, tais doenças muitas vezes nos chegam rotuladas com as melhores boas intenções, “1984”, revela um traço característico de hoje, isto é, a perda gradual da humanidade, assim como da espontaneidade e principalmente da privacidade. Uma sociedade que tudo quer controlar, uniformizar, seguindo um parâmetro apenas, como se ele fosse a salvação da humanidade, isso nunca funcionou e nunca funcionará a contento; de modo mais do que pueril acreditamos que os campos de concentração de outrora nunca mais existiriam, quando na verdade é exatamente o contrário que temos hoje, humanos e extra-humanos vivem e convivem em situações desesperadoras, monitorados, regulados, vigiados nos mínimos detalhes, tudo em nome de um bem maior que nunca chega, um futuro que não tem nada de futuro, apenas é passado.

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