Esta semana, publicamos um vídeo feito em Clevelância sobre uma oficina de graffiti e muralismo oferecida como qualificação profissional gratuita pela Prefeitura Municipal. Achamos o resultado tão legal que convidamos o instrutor da oficina, o designer gráfico Alisson Depizol, para falar um pouco sobre a arte de grafitar. E, se você ainda não viu o vídeo, confira aqui esse trabalho.
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O ser humano cobre as paredes com desenhos desde sempre. Qualquer texto ou vídeo sobre o início da arte traz registros de pintura nas cavernas, arte sacra em templos ou até mesmo sobre pichações em banheiros públicos no começo do século 20.
O graffiti é um pouco isso, mas em uma sociedade com séculos de símbolos, técnicas e tecnologias para se criar imagens. Essa mistura de artistas, latas de spray e muros, mesmo sendo recente se pensarmos na história humana, deu origem a um território vasto, colorido e livre. Esse lugar é tão grande que tudo que posso tentar em um artigo é levar você até a entrada. Depois, cabe a você decidir se aventurar por esse mundo.
Um pouco de história
“O homem é um animal social”. Essa frase de Aristóteles é bem batida, mas diz muito sobre o quanto essa necessidade de falar, contar histórias, narrar acontecimentos ou simplesmente conectar-se aos semelhantes move nossa espécie. Não é de hoje que o ser humano pinta muros, pedras e o que mais ver pelo caminho. Existem registros de pinturas nas paredes das cavernas anteriores ao surgimento da escrita. É um impulso poderoso e, por mais que tenhamos evoluído, ele ainda está lá.
Através dos séculos, conforme as sociedades avançavam, a pintura utilizando parede como suporte também evoluiu, e até recebeu um nome próprio: muralismo. Existem registros de murais nas sociedades gregas e romanas. Na idade média, podemos ver exemplos de murais na China da dinastia Ming e na Europa, em obras como as da Capela Sistina por Michelangelo.
No início do século 20, o clima político instável do México deu origem a um movimento muralista onde as obras tiveram como principal objetivo comunicar ideais e trazer a arte para as ruas de uma forma que a população, em sua maioria analfabeta, pudesse ter acesso à cultura e aprendesse a valorizar sua herança cultural.
O graffiti contemporâneo, pelo menos na forma como é conhecido hoje, tem sua origem nos bairros mais pobres de Nova Iorque, na década de 1970. Inicialmente os artistas pintavam os vagões de trens. Conforme as políticas públicas foram dificultando esse tipo de atividade, os artistas acabaram migrando para os muros.
Nos anos de 1980, a cultura hip-hop acabou se popularizando, particularmente na Europa e América do Sul, trazendo consigo o rap, break e o graffiti. Inicialmente esse movimento ocorreu nas grandes capitais e, posteriormente, após ser mais aceito pela imprensa e grande público, chegou a regiões mais remotas.
Ainda nos anos 80, artistas como Jean-Michel Basquiat e Keith Herring trouxeram elementos do graffiti para as galerias de arte, iniciando um processo que acabou gerando uma maior aceitação da sociedade com relação à arte de rua, tanto pela academia quanto pelo público leigo.
A partir dos anos 90 houve uma mudança de direção, e os artistas de rua passaram a agregar e combinar cada vez mais técnicas tradicionais, elementos do design gráfico e utilizar suportes inusitados, utilizando isso para criar retratos complexos da sociedade.
Na virada do século 20 para o 21, passa a existir comercialização de obras que se utilizam da estética das ruas, e todo tipo de objeto decorado com spray foi alçado ao status de arte, sendo comercializado por cifras altíssimas, gerando um mercado cada vez mais inflado.
O Blackbook
É no Blackbook que as ideias começam a tomar forma. Quando as pessoas que não desenham, ou as que estão começando a desenhar, veem alguma obra na parede, há uma tendência a pensar que tudo é produzido direto no muro, que cada traço foi colocado na obra na primeira tentativa. Isso até acontece com tags e throw-ups, ou quando a pessoa já tem experiência, mas nunca com trabalhos mais elaborados.
O graffiti normalmente vem do processo de lapidação de uma ideia. Primeiro ela é colocada no papel, às vezes é redesenhada, adaptada, repensada. O Blackbook é um espaço de transição entre a imaginação e o muro.
Materiais
Nos Estados Unidos e Europa o graffiti costuma ser produzido com tinta spray e markers (canetas marcadoras). Quando o graffiti chegou ao Brasil, existiam poucas marcas e cores de tinta em spray e o preço era muito alto. Essa dificuldade adicionou elementos, como tinta látex, corantes, rolinhos e pincéis, ao repertório dos nossos artistas, e fez também com que eles desenvolvessem estilos muito peculiares, que influeciam pessoas de todo mundo, como Os Gêmeos e Eduardo Kobra. Aliás, a imagem que ilustra essa página é o “Memorial da Fé por todas as vítimas de covid-19”, uma obra do Kobra que fica em São Paulo e retrata crianças de cinco religiões – Islamismo, Budismo, Cristianismo, Judaísmo e Hinduísmo.
Tipos de graffiti
Tag – É a assinatura do grafiteiro. Pode aparecer ao lado do desenho, sozinha ou em stickers.
Throw-up – Graffiti rápido (bomb), normalmente com letras mais arredondadas e em uma ou duas cores.
Grapixo – Uma derivação do pixo brasileiro, comum em grandes centros, onde a tipografia cheia de pontas do pixo recebe contornos e preenchimentos.
Piece – Graffiti com mais de 3 cores feito só por uma pessoa
Wildstyle – Estilo complexo, com letras entrelaçadas.
Boneco, persona ou character – Desenho que representa a figura humana ou personagens.
Freestyle – Combina vários tipos em uma única obra ou lança algo que nunca foi visto.
Stencil – Feitos com spray através de moldes vazados (stencil), que podem ser de cartolina, radiografias ou com montagens mais complexas com telas.
Sticker – Adesivos autocolantes de papel ou vinil que podem ser impressos, pintados através de stencil, serigrafia ou à mão.
Lambe-Lambe – Cartazes de papel colados com goma arábica, cola de farinha, etc.
*Alisson Depizol é designer gráfico. Conheça seu trabalho no Instagram.